sábado, 5 de janeiro de 2013

ADV – Capítulo 1



POV de Ian O’Shea

Abri os olhos imediatamente alerta e consciente de que algo estava errado. Ainda era difícil acordar e ver o teto escuro da caverna, respirar o ar morno, pesado e principalmente sentir o chão duro sob minhas costas. Aqui era minha casa agora, minha e de todos os humanos que conseguiram sobreviver à invasão alienígena. Demoramos a perceber que eles estavam entre nós, tomando nossos corpos e vidas e quando nos demos conta, éramos poucos para lutar frente a frente e tudo que nos sobrou foi nos escondermos nessas cavernas e viver com cautela para não sermos descobertos. Caso isso aconteça seremos caçados, nossas nucas serão abertas e eles colocarão um dos seus, em cada um de nós, formas de vida parasitas apelidadas de “almas” que precisam de um corpo para sobreviver. Vivemos aqui com precariedade, mas sem desistir de nossa sobrevivência, pois o destino da consciência humana depende de nós.

Nesse instante, no entanto minha preocupação é uma das almas. Onde está Peregrina? Ela deveria estar no “quarto” comigo. Ou não? O cansaço fez com que eu não percebesse o que Peregrina fez quando fui dormir. Uma Alma, a peregrina que foi acolhida aqui como uma alma aculturada e recebeu de Jeb o apelido de Peg.
Levantei e preocupado comecei a pensar nas diversas possibilidades de onde ela poderia estar. Pela minha cabeça passaram todas as coisas ruins que aconteceram a ela desde que chegou aqui. Afinal nem todos são capazes de aturar a presença de um representante daqueles que estão roubando o planeta de nós. Será que Kyle fez algo à ela? Ou Jared se descontrolou de novo? Ou Doc? Sei que Kyle, meu irmão, a odeia simplesmente por ser uma alma e esqueceu-se de todas as coisas boas que Peg tem feito por aqui. Doc, nosso médico, porém é aquele que mais me dá medo.
Ao pensar em Doc me senti gelar, lembrei-me do clima estranho entre os dois, algo que ela fez questão de me esconder. Nesses últimos dias pareceu que os dois tinham um segredo sobre a retirada de aliens dos corpos humanos. Método ensinado por Peg.
Ficar cogitando sobre o que pode ter acontecido a ela fez o pânico tomar conta de mim e decidi não esperar Peg aparecer. Às pressas peguei o caminho entre as galerias que levam ao “consultório” de Doc. Alguém que não estivesse acostumado a andar por aqui facilmente se perderia no escuro e chegaria a outro lugar, mas depois de toda a movimentação naquele consultório durante os últimos dias acabei decorando. Estava com tanta pressa que nem reparei em outra pessoa vindo em minha direção. Era Jared e somente ao esbarrar nele é que percebi sua presença e o pior, a sua expressão. Ele estava transtornado, em seu olhar percebi o misto de dor e...felicidade? Somente uma coisa poderia causar essa reação nele e infelizmente estava ligada a Peg.
Sou muito bom em intuir as coisas, por isso agarrei Jared pela camisa e o joguei contra a parede com toda a força. Algo havia acontecido e de alguma forma Jared estava envolvido. A raiva substituiu o medo e eu perguntei entredentes:
__ Cadê a Peg?
Jared me olhava sem reagir, parecia estar com pena e totalmente compreensivo como se entendesse essa reação e pior esperasse.
__Jared eu não quero machucar você!__eu não queria mesmo__ Onde está Peg?
Jared me olhou no fundo dos olhos.
__ Eu sei como você se sente Ian. Acredite, pode contar comigo.
A dor que eu senti ao entender tudo nessa hora quase substituiu a raiva. Quase, por que eu o soquei com força e saí correndo para encontrar o doutor. Ainda deu tempo de ouvir Jared gritar:
__ A escolha foi dela Ian. Ela fez Doc prometer.
Talvez ainda desse tempo de impedir o doutor de agir. Corri como se minha vida dependesse disso e para ser bem sincero sinto que é assim. Amo Peg com todas as minhas forças e não sei o que sou capaz de fazer aos meus amigos se um deles fizer mal a ela.
No corredor do consultório escutei um choro baixo e comovido, ao entrar presenciei a cena mais chocante de minha vida. Nunca imaginei sentir dor como se meu peito fosse rasgado ao meio. Nesse instante entendi perfeitamente o que Peg sentiu quando viu os corpos dos aliens despedaçados na mesa no dia em que ela fugiu para a sala de jogos.
Na minha frente estava o doutor, em pé diante de uma maca, chorando, com a nuca da Melanie aberta, as mãos sujas de sangue e um brilho prata na palma da mão denunciando a presença de uma alma, a alma que eu amava. Minha peregrina que viajou por muitos mundos, viveu muitas vidas para chegar aqui, me conquistar e acabar dessa forma.
A única coisa que me impediu de avançar em Doc foi perceber que o brilho prata de alguns centímetros em sua mão se mexeu, ela estava viva, completamente frágil e indefesa, a mercê de cada um de nós.
__ A coloque no criotanque agora!
Por um instante o doutor ficou sem reação, então se refez e falou como se eu fosse uma criança:
__ Ela não quer isso Ian. Tente entendê-la. Tantos mundos e vidas, mas nunca uma vida dela.
__A coloque no criotanque, por favor.
Agora eu implorava e quando ele hesitou eu dei um passo à frente com o objetivo de forçar ele a me obedecer nem que eu tivesse que usar a brutalidade. Senti duas mãos me agarrarem. Jared! Ele me segurava porque temia que eu machucasse o doutor antes dele acabar de cuidar de Melanie. Eu provavelmente faria isso, Peg estava morrendo.
Foi quando Jared olhou para a maca e viu a nuca da Melanie aberta. O grande amor da vida dele também estava correndo risco de vida.
A urgência não era somente minha agora, Melanie estava tão exposta quanto Peg na mão do médico.
Aproveitei o susto de Jared e me soltei. No chão estavam alguns criotanques, peguei o primeiro que vi e estendi para o doutor.
__ Ian, ela pediu para que não a mandássemos a outro planeta. Queria ser enterrada aqui na Terra.
Enterrar Peg? Mandar ela embora daqui? Esses pensamentos eram incompreensíveis para mim.
__ Não vai acontecer nenhuma dessas duas coisas.
A contragosto ele colocou a alma no frasco, que eu tomei dele com raiva, e voltou sua atenção ao corpo de Melanie. A sutura foi rápida e Doc usou um dos sprays dos aliens para a cicatrização. Jared agora estava tranquilo e havia esquecido completamente de mim com sua atenção voltada toda para Melanie. Ele esperava que ela acordasse logo, sempre havia a possibilidade da consciência humana nunca voltar e quando isso acontecia era como se a pessoa estivesse em coma profundo para sempre.
Não vi o que aconteceu depois disso, eu segurava o frasco consciente de que Peg estava ali dentro, completamente indefesa, eu não podia abandoná-la em hipótese alguma. Qualquer pessoa dentro daquelas cavernas, mesmo uma criança poderia matá-la agora.
Todo o barulho que fizemos chamou atenção dos que estavam por perto nas galerias trazendo para o consultório, Jamie, Jeb e Kyle. Ao ver meu irmão abracei ainda mais o criotanque. Eu não acreditava muito na trégua dele com Peg e achava que ele seria o primeiro a tentar alguma coisa.
Uma discussão começou, mas eu não prestei atenção ao assunto. Eles estavam perto da maca e eu fui para um canto da caverna tentando pensar em uma solução, algo que fizesse Peg ficar comigo. Não sei qual foi o acordo que ela fez com o doutor, nem como ele conseguiu tirá-la do corpo de Melanie sem danificar o cérebro dela, ainda tem muita coisa acontecendo essa noite que eu não consigo entender, mas a única certeza que eu tenho é que pouco me importam as promessas de Doc, Peg ficaria na Terra e ficaria viva.
Algum tempo passou, não sei precisar se foram minutos ou horas, para mim, o tempo havia parado quando Jared veio até o canto onde eu havia me refugiado. Tomei o cuidado de proteger o frasco em que ela estava.
__ Ian...
__ Não se aproxime de NÓS Jared, eu juro que faço você se arrepender.__ pra mim ela era uma pessoa como todo mundo.
__ Qual é seu problema, somos todos amigos aqui, irmãos de uma mesma causa.
Pela primeira vez olhei para ele depois do soco. O nariz estava um pouco inchado, mas fora isso nem parecia que eu tinha socado ele. Curiosamente naquele instante eu não sentia remorso em bater num amigo.
__ Amigos? Irmãos? Eram amigos dela também antes de tentar matá-la?
__ Não foi nada disso! __ pela primeira vez Doc se manifestava a respeito do assunto.
__ Não? O que foi então Doc? Você mesmo disse que ia enterrá-la.
Ao pensar nisso minha vontade agora era de socar o doutor, Jared parecendo adivinhar minha vontade se interpôs entre nós.
__Enquanto você estava no canto encolhido, chorando que nem uma menininha, eu expliquei aos outros. Tudo foi decisão dela, ela decidiu devolver o corpo a Melanie em troca de me ensinar como remover as almas dos corpos humanos sem machucar ninguém. Me fez prometer que não ia mandá-la a nenhum outro planeta e sim enterrá-la aqui junto dos nossos.
Novamente a ideia me causou repulsa, no entanto não tive a chance de dizer nada.
Uma voz, assustadoramente clara e alta para a situação, porém imperiosa disse:
__ Peg não vai a lugar nenhum!
Todos nós olhamos para a maca. As reações foram diferentes, Jamie praticamente pulou na irmã, Jeb ficou parado com um sorriso largo no rosto e Jared não cabia em si de felicidade quando deu um longo beijo nela.
Eu, no entanto, não participei de toda essa euforia. Era egoísmo eu sabia, mas para todos terem Melanie de volta eu tinha que abrir mão de Peg.

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