segunda-feira, 24 de junho de 2013

AEDDC - Capítulo 12

Notas do capítulo
Iara e Jipl, obrigada pelas lindas recomendações que deram a essa fic (e também às outras)! Vocês têm sido sempre completa e infalivelmente maravilhosas. Adoro vocês duas, minhas primeiras e mais fiéis leitoras e, agora, minhas amigas.
Laís, você não tem ideia de como me senti com o que você escreveu. Sim, é absolutamente lisonjeiro saber que eu sou parte da razão de você ter feito sua conta aqui. Espero que tenha sido a melhor parte! Se nunca ninguém tivesse lido minha fic, ainda sim valeria a pena ter escrito só pelo que você me escreveu. Você me ganhou para sempre!
Winona, mais uma vez obrigada pela força. Obrigada por suas palavras maravilhosas.
Esse capítulo é dedicado a vocês quatro.
Sol não acordou. O pequeno sol tinha se posto há muito tempo, provavelmente pouco tempo depois de nascer, e eu me sentia péssimo porque não havia ninguém nesse mundo para se lamentar por ela. Talvez em um outro, ela estivesse vivendo feliz ao lado da mãe que também lhe foi tirada. Pelo menos, eu gostaria de pensar assim. Eu não pensava muito nessas coisas. Do jeito que o nosso mundo estava agora, não havia espaço para pensar em qual seria nosso lugar depois... Mas me fazia bem pensar que havia um depois.


Procurei afastar esses pensamentos, no entanto, porque eles eram complexos demais para um momento em que tudo era muito simples: Peg voltaria. Em muito pouco tempo eu a teria de volta. Eu só conseguia respirar na atmosfera em torno dela, esperando o momento em que pudesse desaparecer nela e ela em mim. Eu me sentia como se estivesse preso embaixo d’água e finalmente pudesse ir à superfície respirar.

Cuidamos de Sol incessantemente, mas o corpo pequeno não ganhava vida. Mel e eu falamos com ela todos os dias, quase todo o tempo, dizendo bobagens, tentando nos lembrar de coisas que fariam uma adolescente rir, ou que interessariam a uma criança. Tentamos evocar o pouco que sabíamos de Pet. Falamos sobre nós mesmos quando não havia mais assunto. Inventamos histórias para ela. E nada.

Nada adiantou. Sol não moveu sequer um músculo espontaneamente. Nem um ligeiro tremor das pálpebras enquanto seu lindo rosto ficava um pouco menos arredondado, sua pele um pouco menos firme, suas curvas um pouco menos sinuosas. Nada. Finalmente, Doc e Candy decidiram que não deveríamos mais prejudicar a saúde dela. Peg deveria trazer vida, alma e alimento para o pequeno corpo de Sol poder brilhar mais uma vez.

E então, quando essa decisão foi finalmente tomada e sancionada por todos aqueles que teriam voz e algo a dizer sobre ela, nós nos reunimos aqui, abarrotando o pequeno hospital de Doc com todo o amor que havia para ela. Todo o amor que havia nas cavernas para a minha Peregrina, forrando as paredes de seu lar, aquele que ela escolheu para si quando se transformou no meu lar. Era por ela que eu respiraria. Era por ela e nela que eu viveria. E sob a sombra do meu amor, ela poderia se proteger de tudo, se ancorar para quando os ventos soprassem no mar. Esse amor continha tudo o que eu era e mais além, tudo o que eu seria.

Quando seu novo corpo estava pronto, eu segurei meu anjo prateado em minhas mãos. O contato estranho daquela textura inédita, o brilho da beleza real de Peregrina... Ela era linda! Tudo o que eu amava, milhares de anos vividos nas estrelas fazendo dela o humano mais perfeito que poderia haver, tudo o que ela era cabendo na palma de minha mão. Todos os dias que ela viveu e todos o que nós viveríamos cabendo no pequeno corpo prateado que eu segurava com todo o cuidado.

– Bem-vinda de volta! – disse eu quando Doc a colocou sobre a nuca de Sol.

Havia uma falsa vulnerabilidade no corpo prateado de Peregrina. Ela parecia tão frágil, mas agarrava-se vorazmente à vida enquanto se espalhava e tomava posse de seu novo corpo. Um corpo que seria só dela agora. E meu.

Peg estava amalgamada a Sol agora. Elas eram uma só e eu tinha finalmente um rosto para amar. Não mais o rosto que eu admirava, mas secretamente esperava que não abrisse os olhos. Agora eu os queria abertos, olhando para mim. As pálpebras de minha Peregrina Solar tremeram e eu tremi com elas. Ela estava acordando.

– Peg? Você pode me ouvir, Peg? - perguntou Doc, sem obter nenhuma reação.

– Peg. Volte. A gente não vai deixar você ir embora – disse Mel, nervosa, temendo e ansiando quase tanto quanto eu.

Eu olhei para Mel, aliviado de poder finalmente enxergar o rosto de minha amiga, pois a mulher que eu amava já tinha um rosto só dela. Um rosto lindo que ganhava mais vida a cada segundo, sobrecarregando-se com seguidas micro-expressões.

Candy sugeriu que usássemos o Acordar e o spray foi borrifado sobre o rosto de Peg, que ainda sim não acordou, mas pareceu mais alerta. Estranhamente, eu não tinha mais pressa. Queria que o despertar dela fosse suave e ela podia levar o tempo que precisasse para isso. Sentia a calma de quem espera pelo inevitável.

– Peregrina? Nós estamos todos esperando por você, querida. Abra os olhos – sussurrei enquanto tocava de leve aquele rosto. Dei-me conta de que finalmente podia beijá-lo e foi o que fiz, deixando que ela conhecesse em sua nova boca a textura dos meus lábios. Beijei-lhe os olhos para que ela pudesse me reconhecer por eles, tanto quanto eu a reconheceria quando ela os abrisse. Seus pequenos dedos tremeram e, segundos depois, suas pálpebras piscaram.

– Ela está acordando! – gritou Jamie.

Seus lindos olhos de prata reagiram, abrindo-se de súbito, olhando para Jeb, que estava no lado oposto ao meu. Ele sorriu para ela, mas ela não pareceu reconhecê-lo, enquanto seus olhos novos se adaptavam à claridade. Eu queria vê-la, queria que ela olhasse para mim, então toquei seu rosto:

– Peregrina?

O movimento pareceu doloroso, desajustado, mas ela se virou para mim com olhos lindos como eu imaginava: cinzentos com reflexos esverdeados. E o prata que era o brilho de minha Peregrina estava lá também. O fundo prateado que eu primeiro aprendi a temer, depois a odiar e, finalmente, a amar quando estava nos olhos dela. Esses olhos agora seriam os olhos nos quais eu mergulharia para o resto de minha vida.

– Ian? Ian, onde estou? Quem sou eu? – ela falou pela primeira vez. A vozinha melodiosa e delicada de menina, a firmeza inconfundível de mulher.

Ela pareceu me reconhecer primeiro do que a qualquer um. Meu coração pulou uma batida. Ela não sabia onde estava, nem sabia direito quem era, mas sabia meu nome e era a mim que ela recorria por socorro.

– Você é você – Inconfundível. Única – E está perfeitamente entre os seus – Está comigo, agora. Para sempre.

Sua pequena mão se desprendeu da minha. Ela a estendeu diante de si, chocando-se com o próprio gesto. Ficou analisando aquela mão, parecendo não reconhecê-la. Um clarão de entendimento passou por seu rosto depois de alguns segundos. Como Mel e eu prevíramos, o reconhecimento da ausência de Pet a sobressaltou:

– Onde ela está? Onde está Pet? – suplicou Peg, com sua nova voz vários tons mais altos do que antes.

– Ela está bem aqui – assegurou-lhe Doc. – No tanque e pronta para ir. Nós pensamos que você podia nos dizer o melhor lugar para enviá-la.

O pescoço de Peg virou-se mais uma vez, o movimento parecendo um pouco menos desajeitado agora, mas seu rosto se nublou, enchendo-se de tristeza. E eu quis poder pegá-la no colo e abraçá-la tanto que lhe tirasse o ar. Mas ela tinha suas questões pendentes para resolver. Meus ímpetos tinham que ficar em segundo plano.

– Doc! – exclamou Peg quase num sussurro. – Doc, você prometeu! Você jurou para mim, Eustace. Por quê? Por que não cumpriu sua palavra?

Eustace! Sério!? Minha nossa, por que já não deram um chute no Doc-moleque todos os dias? Seria menos doloroso do que ter que ir à escola chamando-se Eustace! Foco, Ian! Namorada alienígena recém despertada sofrendo! Foco!

– Mesmo um homem honesto às vezes cede à coação, Peg – explicou-se Doc, referindo-se aos métodos “sutis” de Jared, que escarneceu da palavra – Pode-se dizer que uma faca no pescoço seja uma coação, Jared.

– Você sabe que eu jamais a usaria de verdade.

– Isso eu não percebi. Você foi muito persuasivo.

– Uma faca? – Peg tremeu, sua pequena voz pouco mais que um chiado.

Eu tinha até me desacostumado com as reações dela à violência dos humanos. Peg continuava extremamente delicada. Isso não tinha mudado.

– Shh, está tudo bem – murmurei perto do ouvido dela.

Minha respiração perto de seus cabelos soprou uns fios sobre seu rosto. Ela os retirou num gesto involuntário, perfeitamente natural. Um gesto de Pet. O que mais haveria dela?

Olhei para Mel e a vi apertando os olhos num gesto familiar, um gesto que eu amava e que nunca tinha sido de Peg. Eu teria que reaprender muito sobre minha Peregrina agora.

Subitamente, me dei conta de que não me importava. Eu aprenderia a amar os gestos, trejeitos, manias, defeitos, tudo o que fosse de Pet, agora que tudo isso pertencia a Peg. Só o que importava é que ela estava aqui.

– Você pensou mesmo que ia nos deixar daquele jeito? Peg! – suspirei, conseguindo respirar de novo. Eu me sentia como se há muito tempo não pudesse fazer isso bem.

– Eu disse que não queria ser uma parasita – sussurrou Peg, quase num tom de desculpa.

– Deixem-me passar – ordenou Mel, vindo em meu socorro. – Ouça, Peg. Eu sei exatamente o que você não quer ser. Mas nós somos humanos, e nós somos egoístas, e nem sempre nós fazemos a coisa certa! Não vamos deixar você morrer. Você tem de lidar com isso.

Sempre se pode contar com a contundência de Mel para deixar as coisas claras para a minha alminha complicada!

– Mel? Mel, você está bem! – sobressaltou-se Peg em seu reconhecimento tardio.

– Claro que estou – disse Mel enquanto a abraçava. – Não era esse o motivo de todo drama? E você vai ficar bem, também. Nós não fomos estúpidos quanto a isso. Não pegamos simplesmente o primeiro corpo que vimos.

– Deixe que eu conto a ela, deixe. – disse Jamie enquanto se enfiava no espaço estreito ao lado de Mel.

– Jamie!

– Oi, Peg! Legal, não é? Você é menor do que eu agora! – provocou Jamie, brincalhão

– Mas ainda sou mais velha – reagiu Peg preocupada. – Eu tenho quase... Meu aniversário é daqui duas semanas. Vou fazer 18.

Mel e eu nos entreolhamos surpresos. Não tínhamos dado mais do que 15 ou 16 anos para o novo corpo de Peg. Foi um alívio perceber nosso engano!

Jamie continuou contando a Peg sobre a incursão e as justificativas para a escolha de Pet. Eu jamais poderia negar que o moleque tinha feito um excelente trabalho. Quando ele contou a Peg que eu não tinha me importado com qual seria sua aparência e tinha permanecido aqui com ela, sem deixar que ninguém a tocasse, seus grandes olhos cinzentos ficaram mais brilhantes. Então eu me abaixei e sussurrei no meio dos seus cabelos de sol algo que ela precisava saber. Algo que resumia tudo o que eu senti por ela quando não havia um corpo para eu amar:

– Eu segurei você na minha mão, Peregrina. E você era tão bonita...

Os olhos dela ficaram úmidos. Percebi, feliz, que ela estava emocionada, mas Jamie se preocupou:

– Você está gostando, não está? Você não está zangada? Não há ninguém aí dentro com você, há?

– Não estou zangada., não exatamente. E eu... eu não encontrei mais ninguém. Só as memórias de Pet. A Pet esteve aqui desde... não consigo me lembrar quando ela não estava aqui. Não consigo me lembrar de nenhum outro nome.

Pobre bebê Sol! Esquecida, perdida no tempo e em si mesma. Não havia nem mesmo tempo para lamentá-la. Havia tempo apenas para Peg. Sempre haveria.

– Você não é uma parasita. – disse Melanie, para espantar os últimos receios de Peg – Esse corpo não pertencia a Pet, e não há mais ninguém que possa reivindicá-lo. Nós esperamos para ter certeza, Peg. Tentamos acordá-la quase por tanto tempo quanto tentamos com Jodi.

– Jodi? O que aconteceu com Jodi? – perguntou Peg, cheia de preocupação.

Ela quis se sentar e eu a ajudei, apoiando o peso mínimo de seu tronco em meu braço. Agora havia uma extensão maior de nossos corpos se tocando. Era familiar e ao mesmo tempo novo. E não havia nenhum outro lugar do mundo em que eu preferisse estar se não pudesse estar tocando aquela pele.

Peg olhou para todos, seu olhar atento reconhecendo seu lar, seus amigos... O circulo amplo de seu movimento parou por alguns segundos. Jared, agarrado a Mel, como sempre estava quando eles estavam juntos. Eu vi a boca de Mel se retorcer, a confirmação de algo terrível se espalhando em seu olhar. Lembrei-me da nossa conversa. E senti raiva. Tudo de novo.

Mas não podíamos ser ingênuos de achar que não teríamos que lidar com todos esses sentimentos. Eles não iriam embora facilmente. Nós quatro tínhamos muito que resolver ainda. No entanto, eu estava disposto a deixar isso por conta do tempo. Eu estava cansado demais de lutar contra a maré. Milhares de anos trouxeram Peg para os meus braços, para esse momento. Eu não iria estragá-lo apressando os segundos. Nada de realmente imponente e grandioso como o nosso amor, podia se formar em pouco tempo. Mais do que o mar, mais do que o vento, é o tempo que erode as pedras. E o tempo estava a meu favor.

Peg continuou seu reconhecimento, sendo informada de que Sunny tinha ficado. Ela olhou para sua Alma irmã por um momento. Olhou também para Kyle, avaliando-o. Considerou rapidamente a situação, mas pareceu abalada demais para chegar a alguma conclusão. Ela só parecia confusa, estremecendo como um pássaro assustado em meus braços.

– Você está bem aí dentro? – perguntei, imaginando se ela estaria apenas fraca demais, com dor, confusa... ou... infeliz...

– Eu... eu não sei. É muito... esquisito. Tintim por tintim tão esquisito como trocar de espécie. Muito mais esquisito do que teria imaginado. Eu... eu não sei.

Eu podia entender isso. Embora jamais pudesse imaginar como seria para ela, eu sabia bem qual era a sensação de perder totalmente as referências e ter que restabelecê-las. Afinal, eu é que tive que deixar de amar Peg no corpo que conheci como sendo dela. E depois, tive que aprender uma nova forma de amar aquele corpo quando Mel se tornou minha amiga. Tive que descobrir como continuar amando Peg sem um corpo em que pensar. Sem poder sequer imaginar um sorriso ou como seria estar nos braços dela. Depois chegou Sol, que eu amei também, de certa forma, apenas pela perspectiva de que naquele rosto se estamparia o novo sorriso de Peg.

É. Eu podia entender como tudo isso podia ser avassalador para ela.

– Você não se importa demais de ficar aqui, não é, Peg? Não acha que talvez você possa aguentar? – murmurei esperançoso.

Todos se aproximaram mais um pouco. Aqueles que não podiam tocá-la, simplesmente sorriam para ela, esperando e incentivando-a a dar a resposta que nós precisávamos. Eu mais do que ninguém.

Eu afastei um pouco seus cabelos e segurei seu rosto pequeno em minhas mãos. Como o anjo prateado que ela era em seu corpo original, o rosto desse outro anjo que a abrigava também cabia em minha mão com facilidade. Ela não fixava meu olhar. Seus olhos caiam e seu rosto se enrubescia cada vez que eu insistia. Algo novo com que me acostumar.

– Acho que posso fazê-lo – disse ela, numa voz pouco mais que audível. – Se isso deixa você feliz.

E aqui estava ela! Isso era algo só dela. Em qualquer corpo, Peg tinha que ser Peg.

– Não é o bastante, na verdade. Isso tem que deixar você feliz, também.

– Eu... acho que... sim. Acho que isso pode me deixar muito, muito feliz – respondeu ela, pela primeira vez desde que acordou, sem reticências na voz.

Mais uma vez eu puxei o rosto dela para mim, induzindo seus olhos a olharem para os meus. Mais uma vez ela enrubesceu e tentou desviar o olhar. Não me importei. Estava até começando a gostar desse jogo.

– Isso quer dizer que vai ficar – disse eu, antes de beijá-la.

Foi diferente dessa vez. Os lábios pequenos e incertos dela eram só meus agora. Ninguém mais os beijaria. Não houve protestos, não houve medo. Houve apenas certeza.

– Eu vou – ela disse, a voz firme mais uma vez.

E foi então que tive a confirmação definitiva de que havia ordem no universo. Se todos os eventos da minha vida tinham me trazido para aquelas cavernas... Se o mundo que nós conhecíamos, tinha sido perdido para sempre para que eu pudesse conhecer Peregrina... Se tudo tinha culminado nesse beijo... Então eu jamais me lamentaria de nada.

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