CD - Capítulo 25

POV Estrela


Vontade de voltar no tempo.

É isso que eu sinto enquanto caminho lentamente apoiada em Jared e Doc para a Sala de Jogos.


Vontade de voltar exatamente ao momento em que Peg se descuidou com os olhos dos humanos na frente de outra Alma e impedi-la de ligar para os Buscadores. Voltar ao momento em que Logan perseguiu o furgão com todos dentro, decidido a recuperar Peregrina. Voltar ao momento em que decidi vir para esse planeta.

Tudo para evitar aqueles, mesmo que poucos ainda, no corredor da ala do hospital, olhares que me seguiam enquanto eu caminhava lentamente para o tribunal que decidiria minha vida. Sempre que os imaginava nos meus sonhos particulares, todos estavam felizes por me ver, e eu igualmente radiante por rever minha família. Tantas ilusões… Naquela altura, alguns poucos já deviam saber do porquê do tribunal; é como dizem os humanos, segredos não permanecem secretos por muito tempo.

Eu não poderia esperar melhor reação. Todos os humanos dessa caverna achavam que Peg estava morta; então provavelmente seria um choque ver o corpo dela perambulando por aí.

O choque duplicado seria ver o corpo de Peregrina de volta à vida, e saber que não era mais ela lá dentro.

Por isso tentei não me sentir triste. Tentei com todas as minhas forças não me sentir ofendida. Mas não havia muita coisa que eu pudesse fazer quando todos os que eu amava me olhavam com aqueles olhos vidrados, rancorosos e aterrorizados.

E era apenas por esse motivo que eu desejava voltar atrás: não ser o motivo daqueles olhares.

– Estrela? – chamou Jared, baixinho.

– Sim? – sussurrei de volta.

– Isso… - ele indicou com a cabeça, quase imperceptivelmente, para as pessoas que nos encaravam – Não ligue para isso. Eu sei que já devem ter te dito isso mais de mil vezes, mas as pessoas daqui são meio... limitadas no quesito “boas-vindas às novas Almas.”

– Hunf! – resmunga Doc mais baixo ainda, fazendo cara feia para as pessoas dos nossos lados.

Eu rio baixinho só para eles.

– Tudo bem, Jared – minto – Não estou incomodada com isso. Eu os entendo. Como não poderia?

Ele assentiu, sorrindo minimamente. Provavelmente eu não era tão mal mentirosa como dizia Logan.

Logan. Pensar nele, que aquele tribunal para o qual eu me encaminhava também era para ele, dispara uma onda de adrenalina e ansiedade pelas minhas veias.

A grande verdade era que agora eu não estava tão mais preocupada com o que os humanos fariam a Logan. Mas sim com o que Logan faria aos humanos. Digamos que o Buscador em questão não é exatamente o tipo que se submete a ordens – principalmente se essas “ordens” estiverem fora das suas ideias do que é correto ou não, o que, bem, não era muito difícil de acontecer.

Seu comportamento provavelmente seria ainda mais inaceitável se algo rude fosse dirigido a mim. Ele certamente ficaria ainda mais ofendido que eu; a grande diferença é que Logan não tinha medo de responder a isso, tanto física quanto verbalmente.

De certa forma, mesmo que inexplicável, isso me dava segurança. Mais do que segurança. Dava-me a vontade de fazer o mesmo por ele. Porque é claro que eu sabia que alguns o atacariam. Diriam coisas dele, afirmações que eu sabia serem mentiras. E eu diria isso a todos. Diria que ele podia ficar aqui, porque iria ajudar a todos, que faria muito mais do que isso. Diria que ele era a melhor pessoa que eu havia conhecido nessas e em outras vidas.

Que ele tinha que ficar aqui porque era meu Logan, meu Buscador. Porque ele era meu.

E foi tomada pela sensação de determinação em protegê-lo, e pelo alívio extremo por ter finalmente escapado dos olhares dos primeiros humanos, que então entrei na Sala de Jogos.

Só para me dar conta de que os outros humanos eram apenas a modesta recepção perto destes aqui. Aqueles que estavam nos corredores eram apenas meus amigos, os amigos de Peg. Mas aqui estavam todos, os olhares receptivos, os confusos e os absolutamente aterrorizantes. Como os de Maggie e Sharon, que quando me viu apoiada nos braços de Doc, teve que ser fisicamente contida pela mãe para não avançar sobre mim.

Ela certamente já havia sido informada sobre o porquê do tribunal, assim como os outros. Jeb já estava ali e estava cercado de olhares inquisitivos e, ao seu lado, um pouco mais atrás, estava Logan. Seus olhos me encontraram imediatamente e ele pareceu aliviado ao me ver. Talvez por alguns segundos ele tivesse esquecido onde estávamos, pois deu um passo em minha direção, mas Jeb se postou deliberadamente à sua frente. Logan pareceu um pouco irritado, mas obedeceu, voltando à posição original, “protegido” atrás de Jeb.

Logan obedecendo e aceitando ser protegido? Bem, isso era uma novidade e, nesse momento, eu não sabia se era uma novidade agradável, porque o que eu queria mesmo era que ele cruzasse a sala e viesse até mim, pois eu nunca precisei tanto de sua força e de sua segurança como agora. Quando se tratava de Logan, eu me permitia ser egoísta.

O fato de os humanos já terem sido informados das “novidades” não impediu o murmúrio crescente de surpresa que tomou conta da sala enquanto eles nos observavam.

– Ela está mesmo viva! – escutei alguém exclamar.

– Não, não é ela. Essa é uma ladra parasita. Antes estivesse morta!

– Bom, ladra e parasita me parecem a mesma coisa.

– Não quando essa não é a nossa parasita.

Não me animei a procurar quem eram os donos das vozes, um homem e uma mulher, mas eu não queria saber quem eram esses que conseguiam ofender a mim e a Peg ao mesmo tempo. Jared sibilou ao meu lado e eu sei que em seus olhos havia uma ameaça nada velada a todos em volta. Sua atitude silenciou alguns dos murmúrios, mas o meu súbito surto de coragem tinha passado. Eu estava morta de medo novamente. Como eu poderia enfrentar esse desconhecido conhecido? Ao menos quando você não sabe o que vai acontecer, tem chances de se surpreender positivamente, mas eu conhecia esse lugar bem demais para achar que seria fácil passar por isso.

Logan pareceu alarmado ao notar a atitude defensiva de Jared e Doc, cuja expressão também se enrijeceu ao meu lado, mas eu tentei tranqüilizá-lo, movendo meus lábios para dizer que estava “tudo bem”. Ele não acreditou, contraiu a boca numa linha estreita e balançou a cabeça para me deixar claro que não estava tudo bem para ele, e eu tive medo do impulso violento que vi em seus olhos. No entanto, ele não se mexeu, permaneceu quieto como antes, protegido entre Jeb e uma das paredes da caverna. Isso não era nada típico dele, o que me fez pensar que ele tinha alguma coisa em mente, alguma informação que eu não tinha.

Notei que Andy e Brandt flanqueavam Jeb, aproximando-se dele um pouco mais à medida que a agressividade crescente dos murmúrios ficava mais evidente. Mas eles não foram os únicos a detectar o novo peso da atmosfera. Em poucos instantes, Jamie e Ian estavam cortando a multidão para cercar nosso trio, ou a mim, mais especificamente. Jamie atrás e Ian à frente, pronto a abrir caminho. Percebi pelo volume em sua cintura, mal disfarçado sob a parte de trás da camiseta, que ele estava armado e senti meu terror chegar a níveis estratosféricos. Se Ian achou que deveria se armar, era porque ele pensava que as coisas poderiam ficar realmente feias, e a simples ideia de que qualquer um pudesse ser ferido, e por minha causa, fez meu estômago se revirar em contrações terríveis.

Com Ian à minha frente, eu não conseguia mais ver o rosto de Logan e isso fez com que eu ficasse ainda mais assustada e nervosa. Eu não conseguia mais controlar os tremores que me percorriam e fiquei grata por ter Jared e Doc do meu lado, porque eu estava prestes a desfalecer.

– Acalme-se, – sussurrou Jared - nós não deixaremos nada acontecer a você.

– Pense no bebê, Estrela, você não pode deixar que isso te afete tanto assim – completou Doc, enquanto apertava minha mão. – Se você se sentir mal, não hesite. Ao primeiro sinal seu, eu te tiro daqui imediatamente - e vi Jared e Ian assentirem com convicção à fala dele.

– Tudo bem – disse eu, tentando, obviamente em vão, convencê-los de que estava tranquila, mas a quem eu estava querendo enganar?