domingo, 23 de junho de 2013

CD - Capítulo 27

POV - Estrela

Numa noite perdida no tempo, num passado que me parecia imemorial, Peg andou por esses corredores. E seus pés, que tinham o mesmo destino dos meus, acreditavam estar percorrendo esse caminho familiar pela última vez.


Mas embora eu esteja me encaminhando para o mesmo lugar para onde ela ia naquela noite e, embora eu tenha o mesmo propósito, devolver a vida para aqueles que amamos, não há nada mais de parecido nas nossas experiências.

Peg estava assustada e sozinha e seu coração estava tomado pelo medo e pela tristeza por ter que abandonar aqueles que amava. Seu medo era suplantado apenas pelo amor que a motivava. Ela sabia que estava fazendo o melhor para eles, mas também sabia que eles podiam não compreender e que, ao fazer o bem, ela estava também arrancando um pedaço deles.

Mas eu... eu não estou com medo. Eu quero fazer isso e sei que vou voltar. Sei por que e por quem estou fazendo isso. Por eles. Mas, acima de tudo, por mim.

Eu não estou sozinha. Esse caminho é para mim o que devia ter sido para ela: cercado de amor e gratidão. Minha família me acompanha. Meu tio, meus irmãos, meus amigos Jared, Doc e Sunny. E meus amores.

Ian se aproxima de mim e segura a minha mão. Segurando a outra está Logan e os dois trocam um olhar praticamente assassino, mas nenhum deles me solta. Jared deixa escapar um risinho abafado e Mel o censura com o olhar, mas, no fundo, todos nós compartilhamos da sensação de deja vu e sorrimos internamente por isso. Todos menos Logan.

Eu olho pra ele e vejo sua mandíbula se contrair. Eu o admiro ainda mais, porque sei que ele está sofrendo e que não é do seu feitio ficar impassível diante de algo que o incomoda, mas ele respeita os sentimentos conflituosos que acredita estarem no meu coração. Também sei que, no fundo, ele aprecia o gesto de agradecimento de Ian e eu o amo um pouco mais por isso, por querer meu bem acima de si mesmo.

Eu também sou grata pelo gesto de Ian. Sei que ele gostaria de ter feito isso por Peg, então agora ele faz por mim e eu me permito ser essa homenagem, essa declaração de amor que ele faz para ela gravando-a na memória desse corpo. Fico feliz por isso. E porque é a minha mão que ele segura também, para garantir que eu não tenha medo, que eu saiba o quanto ele é grato. E eu sei.

Mas o contato físico com ele me faz sentir dividida e essa é uma angústia à qual eu renunciei. Não quero estar ancorada a uma vida e a um amor que não me pertencem. Há uma parte de Ian dentro de mim e sempre vai haver, porque eu nunca deixarei de amar John. Mas ele é também uma parte de Peg, então eu deixo meu amor pelos três se fundir em um só, um amor sólido e inabalável por essa família. Um sentimento terno que não combina com o arrepio que sobe pelo meu braço quando eu sinto o calor da mão dele na minha.

Então eu o deixo ir. Desentrelaço nossos dedos e afago carinhosamente seu pulso em despedida, enquanto olho para ele e lhe comunico silenciosamente minha decisão. Quando ele parece não entender, levo a mão que estava na dele até a de Logan e a envolvo com ambas as minhas.

Ian contrai os lábios enquanto suspira e, em seguida, sorri, ainda com os lábios contraídos, assentindo uma vez com a cabeça, me deixando saber que acha que eu fiz a coisa certa.

Olho para Logan que continua olhando para frente, tentando fazer parecer que está imune a tudo e que respeita nossa privacidade, mas eu sei que ele acompanhou cada lance de nossa troca. Sei disso porque já o conheço como se conhece o seu mundo, o seu próprio coração. E também porque ele reprime um sorriso e aperta forte a minha mão, enquanto continua a olhar para frente.

Sunny se adianta uns passos e toma meu lugar ao lado de Ian, segurando a mão de seu cunhado para que ele saiba que não está sozinho. Ela sorri para mim e sinto Mel afagar meu ombro, seus passos ritmados com os de Jared e Jamie que caminham a seu lado. Logan troca um olhar com Jeb que caminha mais à frente, ao lado de Doc, e sei que a presença de seu novo amigo o deixa mais tranquilo. Estamos todos ligados. Nenhum de nós está sozinho, afinal. E eu estaria com eles até o fim.

Por isso, quando Jeb e Doc entram no hospital, antes de segui-los, eu me viro para os demais. Não para dizer “adeus”, essa palavra tão temível cuja perspectiva tinha me perseguido até aqui. Mas para dizer a frase mais doce que se pode dizer a quem se ama, palavras simples e subestimadas, que carregam a promessa do amanhã:

– Até logo! – disse eu, e nesse momento não havia nada que pudesse gritar meu amor por eles mais alto do que meu desejo de voltar.

– Você não quer que fiquemos com você? – pergunta Mel, com só uma pontinha de decepção.

Eu não queria. Sabia que aquele seria um momento doloroso para Logan e suspeitei que ele preferiria passar por aquilo longe dos olhos dos humanos. Jeb podia ficar, porque “a casa era dele” e porque Logan tinha aprendido a confiar nele e certamente precisaria de um amigo. Mas já era suficiente que ele e Doc tivessem que me ver fechar os olhos. Se todos estivessem ali, soaria demais como uma despedida. E eu definitivamente não estava dizendo “adeus”.

– Não é necessário. Eu sei onde vocês moram. Pode deixar que eu acho vocês – gracejei, provocando risos.

– Volte logo pra casa então – disse Mel. – Estaremos te esperando.

E então ela me abraça. Em seguida vêm Jamie, que me dá um abraço apertado, e Jared, que me envolve de um jeito desajeitado e meio tímido, mas me dá um beijo protetor no topo da cabeça, como se faz com uma criança.

Jared tinha sido tão compreensivo comigo! Acho que ele sentiu muito mais falta de Peg do que tinha deixado transparecer. Sempre sendo forte pelos outros!

Tomo o cuidado de registrar aquela impressão nas minhas lembranças, para que quando Peg acorde, tenha ainda mais certeza de que o carinho que ela tem por ele é correspondido.

Então é a vez de Sunny. Ela também me abraça, forte e cheia de alívio:

– Estou tão feliz por vocês estarem aqui – ela olha sem graça para Ian e depois para Mel. – Não me entendam mal, eu amo esse lugar e amo vocês, mas às vezes é difícil demais ser diferente. Passo tanto tempo tentando enxergar o mundo pelos olhos dos humanos que acabo me esquecendo dos meus – explica desnecessariamente, porque todos sabemos do que ela está falando.

E como hoje parecia ter sido decretado o “Dias das Surpresas de Sunny”, ela se aproxima de Logan e o abraça também.

– Obrigada por me lembrar – ela diz a ele.

Qualquer um podia ver que o gesto era estranho para Logan, mas só eu que o conhecia bem sabia o quanto. Ele não estava acostumado a se abrir para os outros, parecia ser uma coisa que ele simplesmente não tinha descoberto ainda como fazer. Mesmo comigo, ele às vezes tinha esse jeito de abraçar sem abraçar, você sabia que ele queria estar perto, mas não conseguia se entregar inteiramente ao carinho. Como se o coração não conseguisse se comunicar com o corpo.

No entanto, lá estava Sunny, pendurada no pescoço dele, ansiando por um amigo, por alguém que a ajudasse a enfrentar os desafios de se ser uma Alma entre humanos. Tínhamos que estar juntos nós quatro, as almas do lugar. E se tinha uma coisa que Logan gostava era de ter a quem proteger. Percebo isso quando ele relaxa no abraço dela para logo depois afastar-se com carinho dizendo:

– Não acho que você tenha esquecido seus olhos. Acho que todos nós aqui temos nos esforçado para tentar ver as coisas sob outra ótica e você é bem melhor nisso do que eu. Você é mais forte do que parece. Mas se um dia você achar que esqueceu, nós te ajudaremos a se lembrar.

– Sim – disse Sunny sorrindo para ele – Nós nos ajudaremos. Traga logo Estrela de volta. Peg e eu estaremos esperando.

Então é a vez de Ian. Ele se aproxima de mim e Logan, que continua ao lado se Sunny, finge concentrar-se nela e se afasta um pouco. Como sempre, ele está dolorosamente ciente do outro, do efeito que a presença de Ian tem sobre mim, mas procura agir como se não estivesse. Mas ao contrário do que se espera, Ian se dirige primeiro a ele:

– Não estou dizendo que isso vai ser fácil, Buscador, mas você é um de nós agora e não acho que vou conseguir te manter longe do meu filho. O melhor então é nos esforçarmos pra fazer isso dar certo. Você cuidou dela e a manteve segura, na maior parte do tempo, e sei que, embora você não tenha me dito nada, manteve-se longe do corpo de minha Peg, mesmo com sua Estrela aí dentro. Então vou começar a tentar fazer isso dar certo te retribuindo o favor – então Ian dá uma risadinha calorosa e se vira para mim – Que tal deixarmos o abraço pra quando isso for menos esquisito, Estrela?- Ele toca meu rosto com uma mão e minha barriga com a outra – Até logo. – E fico pensando se ele está dizendo isso para mim ou para Peg, mas prefiro pensar que é para mim.

– Até logo, Ian – suspiro.

– Sua Peg. Minha Estrela – diz Logan frisando os pronomes – Gostei disso. Acho que posso fazer um esforço pra tolerar você quando as coisas estiverem resolvidas.

Ian sorri e parece entender que aquele é o jeito de Logan dizer que pode ser seu amigo. Ian é sensível e perspicaz o suficiente para chegar a entender quase tão bem quanto eu o jeito provocador de Logan. E é sarcástico o bastante para responder à altura.

– Sim, senão a gente sempre pode resolver as coisas de onde paramos da última vez.

Visões de sangue misturado na areia surgem em minha mente e eu tento afastar para longe o desespero de pensar nos dois se enfrentando, porque sei que Ian está só brincando. Acho que consigo deixar isso de lado. Foi ontem, mas parece que faz um século. Tanta coisa aconteceu desde então.

Além disso, agora é hora de partir para uma nova vida, uma em que angústias e conflitos não tenham mais lugar. Sinto-me subitamente cansada, mas feliz, ansiosa.

– Vamos – digo a Logan – Estou cansada e preciso de um cochilo antes de iniciar minha terceira vida – pisco para ele e ele sorri, porque sabe o que vou dizer a seguir. – Com você – digo baixinho em seu ouvido e ele me olha de um jeito que faz meu sangue ferver.

Nós nos viramos e entramos no hospital. Doc e Jeb estão parados num cantinho, esperando. Cada um deles se aproxima de mim e me dá um abraço protetor e agradecido.

Acompanho com os olhos enquanto Doc caminha lentamente até a mesa de madeira, em direção à pequena caixa plástica que guardava seus instrumentos esterilizados. Mas ele não os pega. A sua mão viaja até uma pequena lata de spray com o nome “Dormir”, e eu sei o que isso significa. Mas eu não tenho medo.

Então eu sinto os olhos de Logan sobre meu rosto, e eu me viro para encará-los.

Naqueles olhos, e eu sabia que sempre encontraria o meu lugar; nesse planeta, nessas cavernas, nessa vida, em mim.

– Você está bem? – ele pergunta, sorrindo um pouco. Mas eu sei o que ele está tentando esconder.

– É claro – eu sorrio de volta, e não me espanto ao ouvir a confiança na minha voz – E você? Como está se sentindo?

– Em parte, aliviado. Porque isso está chegando ao fim, toda essa maluquice. – ele brinca – Mas por outro lado, isso me deixa um pouco… nervoso. Eu não sei, ainda acho que talvez esses humanos não saibam como fazer isso.

– Você não precisa se preocupar, Logan. Os humanos sabem como fazer, já fizeram outras vezes atrás. Eu vou ficar bem. Nós dois vamos ficar bem juntos.

Ele sorri, e acaricia meu rosto levemente.

– Sim, nós vamos, amor.

– Só… Me prometa que não vai demorar para me trazer de volta. Prometa que vai estar aqui comigo, para sempre. Eu preciso de você aqui, meu Buscador. – eu olho dentro de seus olhos, e posso jurar que por um momento vi lágrimas se acumulando ali.

– Quanto a isso, você pode relaxar. Sinto dizer, mas não vai conseguir se livrar de mim tão cedo, Estrelinha - diz ele, com um brilho intenso no olhar – E antes mesmo de você imaginar o que está acontecendo aqui, já vai estar de volta. Então vamos ficar juntos, mais do que para sempre. Estamos irrevogavelmente fundidos.

Irrevogavelmente fundidos.

Eu não consigo falar nada após isso, por que um bolo se forma em minha garganta, e lágrimas fazem meus olhos arderem. Tudo que eu consigo é olhar para ele, para seu rosto, para seus olhos, e encarar a única pessoa por quem eu me disporia a enfrentar tudo isso um milhão de vezes.

Ouço os passos de Doc na minha direção, e também vejo Jeb se aproximando do meu catre. Eles sorriem para mim de maneira terna e delicada, e eu sorrio de volta. O médico murmura alguma coisa enquanto exala no ar o conteúdo da lata Dormir, e eu sei que é uma breve promessa de que eu estaria de volta logo. Jeb faz o mesmo, mas soca meu ombro de brincadeira enquanto diz algo sobre eu não achar aquilo tudo muito parecido com alguma cena no passado. Mas minha atenção não está completamente nele, mas sim no Buscador ao meu lado, que segura minha mão cada vez mais forte, com a expressão cada vez mais intensa. Eu ainda tive tempo de ouvir um “eu te amo” antes de cair na inconsciência. E eu deixo o sono me levar sem medo algum, com duas certezas imutáveis:

Eu iria voltar. Eu iria voltar para Logan. Iria voltar para os meus humanos, e não iria embora nunca mais – por que é aqui que minha vida está.

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