segunda-feira, 24 de junho de 2013

CD - Capítulo 44

Notas do capítulo
Today's not the same as everyday
It's far from ordinary
The pain I endure, you're my cure
But my mistakes have led me
Far away from you
(...)
I search my soul
And all these feelings that I can't control
You're the one thing that can make me whole
I did it for you
(I did it for you - David Cook)
POV – Logan


Um som estranho parte o silêncio ao meio e eu abro meus olhos, fechados até então para conter tudo o que queria se expandir dentro de mim.


Não reconheço aquele som, nunca o ouvi, mas meus ouvidos humanos se lembram dele. É um choro de bebê.

– Nasceu! – Grita Mel levantando-se num pulo do chão de pedra onde estivéramos todos sentados, recostados à parede.

Ela avança alguns passos, mas volta para trás, insegura. Decidimos ficar aqui para não atrapalhar e não encher o ambiente com nossa ansiedade e ela não tem certeza de que tenha chegado o momento de entrar. É a primeira vez que vejo Melanie insegura, e isso me faz esquecer de mim mesmo por alguns instantes e olhar aquilo tudo como se eu estivesse de fora. Novas vidas fazem coisas estranhas aos humanos, ao que parece.

Não só a eles. Sunny começa a chorar, sorrindo ao mesmo tempo depois de soltar um suspiro de alívio. Mel se ajoelha na frente dela e as duas se abraçam. Logo em seguida, Jamie e Jared também se levantam e Mel parte para abraçar Jamie que sorri feito bobo e anuncia:

– Sou tio!

Jared ri e se recosta na parede de braços cruzados enquanto os observa. Depois de um segundo, ele parece relaxar ainda mais e cruza também os tornozelos numa pose descontraída. A expressão de alívio que se desenha em seu rosto é contagiosa e só então percebo o quanto ele estivera apreensivo.

Kyle e Sunny não se levantam, apenas ficam ali abraçados, cochichando entre si e dividindo esperanças não muito secretas.

Apenas Jeb e eu permanecemos impassíveis. Levanto meus olhos para os dele, que está sentando à minha frente, encostado à parede oposta e sei, não tenho certeza de que maneira, que ele está pensando o mesmo que eu. Talvez seja porque eu reconheço em seus olhos que há muitas coisas se expandindo dentro dele, assim como há em mim. Talvez eu perceba que se ele permitir que qualquer emoção escape por sua expressão impassível não vai conseguir contê-las mais. Ao menos é assim que eu me sinto.

Tenho certeza de que, como eu, Jeb está absolutamente ciente do peso da responsabilidade que acabou de cair em nossas costas, que proteger e cuidar de uma criança, ainda mais um bebê, com necessidades urgentes que nem sempre cabem na vida de fugitivos, mas que certamente se sobrepõem às nossas, será muito mais complicado do que qualquer um aqui pode prever.

Acontece que eu posso. E, claro, ele também. Talvez Jared. Mas outra coisa que eu sei é que nenhum de nós se importa. Estamos acostumados a desafios. Gostamos deles. E esse pequeno ser capaz de unir nossas espécies é um desafio à altura de nossas forças, à altura de nosso amor por ele.

Vejo os cantos dos lábios de Jeb traírem sua seriedade e sei que, novamente, tenho razão. O olhar que ele me lança é o de quem aceita o desafio também. Então eu sorrio de volta e me surpreendo com o quanto é difícil controlar minha expressão depois disso. A felicidade que se instala em mim não quer ceder à seriedade a que eu vinha me obrigando.

John para de chorar e incontáveis minutos se passam até que Estrela sai do hospital com o rosto tomado por uma comoção que me estilhaça. Ela diz que Peg e John estão bem e que já podemos entrar para vê-los. Depois ela vem direto para mim e se perde em meus braços.

Todos entram, mas continuamos assim, abraçados. Não sei por quanto tempo permanecemos congelados nesse gesto. Nem por que preciso tanto disso. Mas sinto algo inteiramente novo acontecendo comigo. Um sentimento desconhecido que faz meu coração se expandir de maneira tão irreversível que chega a me assustar.

John não é mais apenas uma promessa, sua existência é agora inegável e grita para mim transformando tudo ao meu redor e enchendo a todos dessa alegria inexplicável, dessa esperança irresponsável de que juntos, Almas e humanos, somos mais fortes, somos melhores.

Sinto cada pedaço de mim se transformando e tudo o que fui, tudo em que um dia acreditei se destrói e se restaura mais uma vez, reconfigurando meu ser nesse processo quase violento que começou quando me perdi pela primeira vez nos olhos de Estrela. Quando a amei, mesmo sem saber ainda, pela coragem com que ela protegia esse bebê. Seu filho. O filho de Peg. Nosso filho também.

Desde então tenho vivido muitas coisas, tenho sentido meu mundo sair da órbita e voltar para ela mais cheio de vida, mais cheio de amor. Tenho sido um ser diferente, tenho sido alguém melhor. Ainda assim, não encontro referências em minhas lembranças, nem mesmo nas mais recentes, para entender o que estou sentindo agora. É tão intenso que a coisa mais próxima com que consigo comparar é com a dor que tantas vezes senti.

Eu entendo felicidade. Não entendia antes, mas entendo agora. Mas alegria... Será que é isso o que sinto? A mesma alegria que vi estampada no rosto de Mel, por exemplo? É esse o sentimento que faz meus olhos arderem como se eu estivesse sofrendo?

Nunca me canso de me surpreender com como as pontas do espectro dos sentimentos humanos, com tanta frequência, se tocam e se fecham em torno de nós num abraço firme e doloroso, desse jeito estranho que faz um coração pleno de alegria arder e se apertar como um coração ferido.

– Como você está? – Pergunto a Estrela, hesitante.

– De um jeito que nem consigo entender – ela responde e então eu percebo. Subitamente entendo porque precisava tanto senti-la em meus braços nesse momento, mais ainda do que preciso sempre. Porque ela me entende, me completa. Porque juntos somos uma coisa inteiramente nova – Você consegue imaginar como vai ser quando for a nossa vez?

– Não – respondo enterrando meu rosto em seus cabelos. – Não entendo esses sentimentos ainda.

– São confusos, não é?

– Sim, mas eu acho que me sinto... bem!

Estrela ri e eu também. Nosso próprio bebê é ainda uma realidade imaterial demais para conseguirmos precisar como nos sentiremos quando ele estiver aqui, mas agora temos uma amostra. E baseado em como nos sentimos agora, acho que será algo além de qualquer expectativa.

Ian aparece à porta. Seus olhos estão mais azuis do que de costume e, assim como seu rosto, estão vermelhos e meio inchados. Ainda assim, um sorriso amplo quase parte seu rosto ao meio e parece óbvio que, mesmo se quisesse, ele não poderia fazer nada para evitá-lo. Ele parece cansado e aliviado ao mesmo tempo, como alguém que passou por uma tempestade de areia e saiu ileso dela. Ou quase. Ele parece por fora como eu me sinto por dentro.

– Peg está perguntando por vocês – ele diz, e Estrela e eu nos separamos e caminhamos na direção dele, que se vira para entrar no hospital novamente.

– Ei, Ian? – chamo e ele se vira para mim. Estrela também se vira por um segundo, mas sorri e continua andando, passando por ele e nos deixando sozinhos. – Como... – hesito, pois não sei bem o que quero perguntar. Então me decido pela pergunta mais simples, mas que resume tudo - Como é ser pai?

Ian suspira e balança a cabeça de um jeito infinitesimal, quase imperceptível, como se estivesse forçando seu cérebro a processar algo inacreditável. Ele pensa por um segundo com os lábios apertados e a testa minimamente franzida.

– Você vai sentir tudo... quase de uma vez – diz ele com a testa ainda franzida. - Medo, ansiedade... uma confusão dos diabos! E então você vai sentir um amor que vai ameaçar te partir ao meio. Mas, cara, você vai adorar! E isso ainda é só o começo!

Não sei o que dizer, então apenas sorrio um pouco para ele. Então seguimos os dois para dentro do hospital e nos deparamos com todos em volta da maca onde Peg está sentada com John nos braços.

Por entre os corpos dos outros, os olhos dela encontram os meus e ela sorri. Está linda. Assim como o de Ian, seu rosto carrega as revoluções das últimas horas, mas isso só a deixa mais bonita.

Essa hospedeira que amei e para a qual tive que redescobrir meu olhar, está resplandecente. É possível vislumbrar as eras por trás de seu rosto jovem e mesmo assim ela nunca pareceu tão humana. Ela parece exatamente o que é, o ponto de colisão entre dois mundos, o ponto de encontro entre duas espécies. De alguma forma, sinto que o que essa Alma, o que essa Mulher iniciou vai mudar tudo.

Sei disso porque sinto uma ternura indescritível por ela quando a vejo ali, em meio aos humanos e às Almas que amo. Sei disso porque, diferentemente de tudo o que tenho sentido até agora, não há nada de contraditório no que sinto por ela nesse momento. Tudo o que tenho, tudo o que amo, devo a ela. A essa moça que parece tão frágil, mas que é o centro desse mundo novo que me faz descobrir coisas como felicidade, alegria, medo... Amor.

Fico ali parado, olhando para ela e Kyle começa a rir. Ele parece um pitbull brincando com seu bichinho de pelúcia, aquele que fica escondido no fundo do canil para quando ninguém está olhando. Não que ele não tenha essa expressão tonta na cara sempre, mas dessa vez ele nem está preocupado em disfarçar.

– Ei, otário! Venha até aqui. Ou vai ficar esperando o moleque sair andando até você? – Ele diz, como sempre, me provocando.

– Logan, você é o único que ainda não disse olá – diz Peg e ela usa comigo essa voz nova, mais baixa e carinhosa, sua voz de mãe.

Então no segundo seguinte ela está entregando esse embrulhinho branco nas mãos de Estrela e, como ainda não me movo, ela vem até mim e eu vejo John pela primeira vez na vida.

Assim que isso acontece, assim que pouso meus olhos pela primeira vez em seu pequeno rosto, a mistura exata dos traços de Peg e Ian, percebo finalmente a razão pela qual estive adiando esse momento. É porque eu tinha medo desse bebê. Medo da culpa que eu sentiria por todo sofrimento que causei à sua família, e por tudo de que eu o teria privado com minha intransigência, não fosse pela coragem de Estrela, sua outra mãe, mãe também de meu outro filho que ainda vai chegar. Acima de tudo, medo do poder que ele teria sobre mim, porque eu já o amava antes de conhecê-lo e seria capaz de muitas coisas por seu bem, mas agora ele me tem em suas pequenas mãos. Não, ele não é meu filho, mas eu serei dele, de alguma forma.

Entretanto, quando olho em seus olhos, percebo que todos esses receios não passam de imensas tolices. Não consigo sentir nada tão negativo quando estou na presença dele. Como poderia sentir culpa? E quanto a amá-lo demais e ao poder que isso dará a ele... Bem, só me resta esperar que ele demore muito tempo para perceber.

Por ora, tudo o que consigo fazer é observá-lo. Ele é claro como neve e há uma pelugem loira sobre sua cabeça grande demais para o resto do corpo. Fomos ensinados que o os seres humanos são biologicamente programados, assim como outros mamíferos, a nascer com essa aparência frágil, com esses olhos grandes... É a única defesa que eles têm, os filhotes... Acionar todos os nossos instintos protetores. E eu tenho muitos.

Sou presa imediata daqueles imensos olhos azuis, daquele jeito impreciso de mover os bracinhos e do jeito como ele agarra o meu dedo com força quando toco sua mãozinha minúscula. A pele dele é a coisa mais macia que já toquei e ele tem essa aparência irresistível que a biologia o programou para ter, mas também tem algo a mais. Aquilo que Peg iniciou, a junção de nossos mundos. É isso o que ele é.

– Eu nunca vi um bebê antes – é a única coisa que consigo dizer, e devo ter feito isso com uma expressão estupefata – ou estúpida – no rosto, porque todos riem de mim.

– E nós achamos que jamais veríamos um desses novamente – diz Jeb.

– Bom, parece que não fizemos nada além de estar errados nos últimos tempos – respondo.

Mais uma vez rimos, mas outros já estão chegando para conhecer John e o lugar vai ficando lotado e barulhento. Eu o tomo nos braços e o levo de volta para Peg, porque ele está prestes a começar a chorar por causa da agitação. Sou mais uma vez tomado pelo instinto incontrolável de protegê-lo e me sinto pronto a expulsar todos daqui para que não o perturbem, mas me policio a tempo.

John solta uns chiados e ensaia um choro quase sentido, mas vai voltando ao normal à medida que Peg o aconchega em seus braços. Meu coração se expande mais um pouco e parece querer partir de meu peito. É tão bom que quase chega a doer. Mas acho que posso me acostumar.


–-----------


Dizem que o tempo passa depressa quando se está feliz. Acho que é verdade. John já tem duas semanas e todos aqui se desdobram na competição de quem o mima mais.

Estrela e eu somos provavelmente os campeões e Jeb gosta de brincar que teme pela educação de nosso próprio filho se continuarmos assim. Ele gosta de dizer que eu perdi a pose, e que um homenzinho menor do que meu braço foi capaz de me derrubar. Invariavelmente, eu respondo que nunca fiz pose, então não posso tê-la perdido. Mas é uma resposta vaga e ele sabe bem disso.

Acabo me sentindo um pouco menos tonto quando o flagro perguntando a John com uma bizarra vozinha fina “quem é patinho preferido do vovô ganso”. Ele acha que ninguém o vê brincando desse jeito, mas eu vejo tudo. Só estou guardando essa informação para me vingar dele na hora certa. Sim, eu posso ter me tornado um tonto, mas não fiquei idiota e ainda posso ser um sujeito bem calculista e obstinado.

E por falar em obstinação, meu próprio filho está resolvido a não nos deixar saber se será menino ou menina. Há três semanas Doc tenta fazer o ultrassom, mas ele ou ela fica sempre numa posição que não nos permite enxergar o... necessário.

Estrela poderia ir fazer um exame mais avançado numa Estação de Cura e em poucas horas teríamos o resultado, mas ela já não queria sair daqui quando o nascimento de John era iminente e agora menos ainda. Também não quero, então vamos adiando a descoberta e vez ou outra tentamos de novo para ver se o bebê se mexeu o suficiente. Mas acontece que teimosia é um traço que parece correr na família, genética ou não.

Hoje resolvemos tentar novamente e aqui estou eu, olhando para a tela sem entender nada, dizendo para mim mesmo que devo ter algum problema porque não consigo diferenciar um bebê de uma batata nessa imagem estranha, quando Doc sorri e mostra algo na tela a Estrela. O rosto dela se ilumina quando ela se vira para mim:

– É o que você queria, papai.

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