quarta-feira, 26 de junho de 2013

LDS - Capítulo 7

Quando acordei, senti-me bem, porém essa sensação durou apenas um instante. Demorou alguns segundos para eu me lembrar que não tinha motivos para dar as boas vindas ao novo dia. Abrir os olhos foi um
grande esforço, minhas pálpebras pareciam pesar uma “tonelada” cada. Um grande saco de areia de cada lado do rosto. Claro, eu estivera chorando tanto! Ótimo, pensei, devo estar com uma aparência linda para o meu último dia na Terra. Depois me censurei por uma preocupação tão boba. Sentia fome e muita sede e minha cabeça estava estranha, vazia, como se recentemente não tivesse sido “habitada” por nenhum tipo de pensamento. Devagar, ela foi se enchendo novamente.

– Doc, acho que ela acordou, mas ela não abre os olhos – falou uma voz familiar que entrava em mim e preenchia meus vazios.

Kyle, lembrei-me.

– Calma, demora um pouquinho para ela voltar completamente à consciência. Além disso, ela está muito fraca.

Eu estava mesmo fraca. Abri os olhos devagar para ver o rosto de Kyle que estava quase debruçado sobre a maca. Sorri para ele e ele sorriu de volta, mas seu sorriso era triste. Não era por aquele sorriso que eu daria minha vida na Terra. Seus olhos estavam vermelhos, com enormes círculos escuros em volta, seu rosto estava pálido e abatido.

Tentei tocá-lo, mas meu braço recusou-se a se mover. Tive certeza que mais tarde qualquer esforço extra que eu fizesse agora seria pago com músculos doloridos, mas naquele momento, meu corpo estava fraco demais até para doer.

– Você está bem? – perguntou Kyle.

Tentei responder, mas ao abrir minha boca parecia que o deserto tinha estado todo ali. Tudo o que saiu foi uma tosse seca.

– Calma, calma – disse Doc – Kyle, ajude-a a se sentar. O acesso de tosse vai passar mais rápido. Trudy, traga um pouco d’água.

Kyle pôs um braço ao redor do meu corpo e me puxou para cima. Não foi fácil, mas realmente fez com que a tosse parasse por uns segundos. Tempo suficiente para que uma mulher de trança me desse um pouco de água. Quando minha garganta se acalmou com os pequenos goles, tomei a garrafa inteira e me senti imediatamente melhor.

– O que está acontecendo? – perguntei.

Doc e a mulher se entreolharam e depois olharam para Kyle, como se o avisassem que era ele quem tinha que me explicar.

– Quando você dormiu nos meus braços naquele dia – ele disse – eu pedi para Doc “apagar” você. Você estava tão chateada, sofrendo tanto, que eu não sabia se suportaria te ver acordada de novo. Então ele te deu algo para que você não acordasse.

Não soube como me sentir a respeito daquilo. Senti-me traída. Senti-me triste porque ele não queria me ver e ter de lidar comigo, mesmo que eu estivesse fazendo tamanho sacrifício por ele. Mas também me senti aliviada e um pouco grata por ele ter tentado me poupar de mais sofrimento. Ah, as confusas sensações humanas!

– Mas por que então vocês não aproveitaram e fizeram o que tinham que fazer? Eu te dei minha permissão, mas esperava não ter que falar sobre isso de novo.

– Você não está entendendo, Sunny. Nós não conseguimos. Jodi não acordou.

O rosto de Kyle estava envolto em tristeza. Luto foi a palavra que me ocorreu.

– Muitos dias se passaram. Nós não podíamos mais esperar. Perderíamos o corpo se Kyle não tivesse pedido para trazer você de volta – explicou-me Doc.

–Oh! – eu disse, sem saber, na verdade, se essa interjeição significava que eu estava entendendo, se significava que eu estava surpresa ou simplesmente sofrendo.

A dor nos olhos dele era tão intensa que me sufocou, eu que mal conseguia lidar com a minha própria. Então sem pensar no que estava fazendo, simplesmente porque eu não tive coragem de dizer outra coisa, murmurei:

– Eu vou continuar tentando. Vou continuar procurando por ela, tentando ouvir a voz dela dentro de mim.

Kyle sorriu e afagou meu rosto com a mão que não estava me segurando. Um fio de esperança se acendeu nos olhos dele, distante como faróis na noite a quilômetros de distância.

– Estou com fome – eu disse, porque era verdade e porque eu não podia suportar a luz distante daquela esperança.

A mulher de trança se apressou a trazer um prato de comida que devia estar esperando por mim. Era uma sopa cujo cheiro inundou meus sentidos de prazer.

Kyle, que ainda me segurava, disse:

– Deixa que eu ajudo ela, Trudy. Você consegue ficar sentada sozinha?

– Acho que sim.

Ele me largou, mas o movimento meio brusco fez com que ele piscasse forte e cambaleasse um pouco para trás. Doc o amparou:

– Nada disso, Kyle. Você não dorme há muitas horas e precisa descansar um pouco. Além disso, assim que Sunny se sentir melhor, Trudy vai levá-la para andar um pouquinho e se limpar na sala de banhos. Ela precisa movimentar os músculos um pouco. Pode ir – ele insistiu quando Kyle não se moveu – Ela vai ficar bem e vai precisar que você esteja forte para ajudá-la.

– Tudo bem então. Você vai ficar bem, Sunny – Kyle disse dando um beijo em minha testa. Eu sorri para ele, acreditando nisso pela primeira vez.

Antes de sair, Kyle desmanchou o cabelo de irmão que estava sentado em um canto do hospital. Ian, em cuja presença eu reparava pela primeira vez desde que tinha acordado, levantou os olhos para o irmão mais velho, mas não sorriu. Nenhum dos dois sorriu. Naquela hora eram irmãos também na dor.

Senti-me imensamente grata pela sopa com que Trudy me alimentava. Ela me aquecia e preenchia com delicadeza meu estômago enjoado. Enquanto isso, olhei para Ian novamente. Ele nos observava com olhos vazios, que pareciam não estar realmente ali. Seu corpo, recostado à parede contra a qual estava o catre onde ele se sentava, parecia alerta, apesar de sua expressão ausente. Em seus braços repousava um criotanque, a luz vermelha na tampa indicando que estava ocupado.

– Peg? – adivinhei

– Sim – respondeu Trudy, com voz triste – Às vezes ele fica aqui com ela. Quando vai dormir, comer ou fazer qualquer outra coisa, ele a leva junto. Mas na maior parte do tempo, ele fica aqui. Ele diz que está fazendo companhia para Kyle, mas acho que tem horas que fica difícil para ele ficar sozinho.

– Melanie está bem?

– Mais do que bem. Ela, Jared e Jamie saíram para procurar um novo corpo para Peg. Ian ficou para tomar conta dela.

– É bonito – eu disse – O jeito como ele vela por ela.

– Sabe – disse Trudy dando uma piscadela – Kyle fez a mesma coisa por você. Mesmo enquanto tentava acordar Jodi, você nunca saiu dos braços dele.

Senti meu coração se inundar de felicidade e esperança ao imaginar isso. Sorri tanto que meu rosto chegou a doer. Logo, entretanto, lembrei-me do rosto de Kyle. Aquela emoção desconhecida pra mim, mas cujo nome eu sabia: luto. Parei de sorrir.

– Deve ser difícil pra ele – eu disse – perder a Jodi assim.

– Kyle está...

Trudy hesitou um pouco procurando a palavra certa:

– Partido – ela completou – Vai levar um tempo para ele se recuperar, ficar inteiro de novo, mas ele consegue. Acho que ele vai conseguir muito mais rápido se tiver uma amiga para ajudá-lo a superar esse momento difícil.

Trudy sorriu pra mim e eu sorri de volta, cúmplices. Eu tinha uma nova amiga agora. Peg ia ficar bem e seríamos amigas também. E eu estava aqui com Kyle.

Perto de tudo que eu sabia que perderia da última vez que fechei meus olhos, acho que eu podia me arranjar bem com essas novas perspectivas.

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