quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Primeira Pessoa: O Mergulho e o Amor




            “Sou o vampiro Lestat.”

            Essas palavras abrem o livro O Vampiro Lestat de Anne Rice, e também uma porta que nunca se fecharia para mim. Eu tinha 12 ou 13 anos e o vampiro louro de olhos cor de violeta e pendores artísticos, com sua personalidade inquieta e seu caráter dúbio, se tornaria o meu primeiro amor literário.
            A partir daquelas quatro palavras simples e diretas, o personagem que eu já conhecia através da interpretação afetada de Tom Cruise em Entrevista com o Vampiro, ou pelos olhos melancólicos de Louis, para quem Lestat não passava justificadamente de seu criador de comportamento psicopata, mudaria. Eu perdoaria seus pecados, porque entenderia a dor por trás deles; toleraria sua conduta ambígua, porque ele era meu humano-vampiro-monstro-príncipe. Não da Anne Rice, mas meu, porque eu o conhecia. Eu o entendia. Meu Príncipe Moleque. Aquele que eu amaria para sempre.
            Esse é o tipo de coisa que o foco narrativo em primeira pessoa faz com você. Mergulhar nas emoções de um personagem através dos próprios olhos dele faz você se enredar em suas revoluções internas como numa teia inescapável. A intensidade disso é avassaladora e só pode ser proporcionada por alguém que está contando a história de dentro — de si mesmo, inclusive.
            Grandes mestres da literatura sabiam disso. Edgar Allan Poe, por exemplo, explorou o terror de não sabermos se as coisas que horrorizavam seus narradores-personagens eram ameaças reais ou simples produtos de suas imaginações deturpadas. Ou se a reviravolta seguinte de suas vidas atormentadas estava na próxima esquina ou nunca iria acontecer.
            Foi dele também a ideia de um detetive brilhante com um parceiro. Um sidekick narrando tudo num ritmo mais lento do que o da mente prodigiosa de seu companheiro genial, controlando o fluxo das informações de uma maneira que o mistério parecesse se resolver aos poucos, à medida que o investigador vai revelando ao amigo onde as peças do quebra-cabeça se encaixam.
            Mais tarde, Sir Arthur Conan Doyle usaria essa técnica e a tornaria icônica através de Sherlock Holmes e Watson. Entender o que se passa na mente do genial morador da Baker Street sem que ele mesmo o revele a Watson não teria a menor graça. Contadas pelo próprio Holmes (sim, existem, e eu já li algumas), as histórias terminam muito mais rápido, porque o ritmo do raciocínio dele é outro, e essa é graça do personagem, mas não de uma narrativa de mistério.
            Parece óbvio, mas ainda não era elementar naquela época, e todos os fãs de CSI da vida devem gratidão eterna a esses dois autores geniais que souberam manejar a primeira pessoa a favor do paradigma indiciário (sim, a maneira de se investigar nos dias de hoje tem nome, e eu sei porque sou phoda já li um texto sobre isso). Sendo assim, obrigada Senhor pelo Poe e pelo Doyle. Assinado: Fã de CSI (e franquias), Law and Order (e franquias), Criminal Minds, Mentalist, House (sim, pessoas, House = Holmes, Wilson = Watson, e, não, não é mera coincidência) etc.
            Mas se não houvesse o americano e o inglês para dar graças, euzinha aqui, fã de literatura brasileira que sou, ainda teria que cair de joelhos e não levantar mais. Porque sabe que outro autor era genial no manejo da primeira pessoa? Se você pensou nele, vem cá e dá um abraço. Estou falando de Machado de Assis.
            O cara. O Bruxo do Cosme Velho. Aquele que fazia magia com as palavras. (Já deu pra notar a devoção, né? Então se não compartilhar, senta num cantinho e come uns biscoitos para não acabar a amizade.)
            Um de seus livros mais importantes, Dom Casmurro, é a história de uma dúvida. Capitu traiu ou não traiu? Bento destruiu o próprio casamento por um motivo legítimo ou o ciúme o transformou em uma versão horrível de si mesmo? Ao longo da história você tem evidências para ambas as versões. Mas a dúvida permanecerá para sempre, espelhando seu próprio caráter através de como você percebe e explora essas evidências, por causa de um detalhe fundamental: a história é contada pelo “traído”. E quem pode confiar na mente de alguém consumido desde sempre pela insegurança e pelo ciúme?
            Esses são apenas alguns exemplos. Eu teria coisas a dizer sobre vários outros livros que considero esplêndidos e cujos autores souberam manusear as possibilidades do foco narrativo em primeira pessoa quase como uma arma. O Menino do Pijama Listrado de John Boyne (o filme não passa nem perto do poder do livro, justamente por causa do uso de um narrador ingênuo que não enxerga o mesmo que o leitor), A Culpa é das Estrelas de John Green DFTBA, nerdfighters (aposto que você não percebeu, mas o foco narrativo determina o desfecho), Eu Sou o Mensageiro de Markus Zuzak lindo, querido, amo (você nunca entenderia a “mensagem” em terceira pessoa), e uma fila de outros.

            Então, está mais do que comprovado quais são as vantagens do narrador-personagem. Entretanto, não nos apressemos em sua defesa irrestrita, pois ele tem suas limitações. Mas acho que prefiro demonstrá-las através das vantagens do narrador-observador. Portanto, fique comigo mais um pouco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comentem e façam uma Autora Feliz!!!

Visitas ao Amigas Fanfics

Entre a Luz e as Sombras

Entre a luz e a sombras. Confira já.