sábado, 27 de dezembro de 2014

Capítulo 12 Entre a Luz e as Sombras

Capítulo 12 – Sonhos e Descobertas

Shadows fill an empty heart
As love is fading.
For all the things that we are,
We are not saying.
Can we see beyond the scars
And make it to the dawn?

 (What About Now – Daughtry)


Está muito, muito escuro e eu sei que minha cabeça deveria estar doendo, mas não está. Nada em mim dói, na verdade. Sinto-me onde deveria estar e não estou com medo, estou calma, exceto pela sensação de que o chão está prestes a tremer sob meus pés e se abrir diante de mim, dividindo minha vida. Antes e depois, o pressentimento sussurra pelos cantos.
Você será diferente depois dele. Do terremoto.
Eu me preparo para o que virá e tento descobrir onde estou. É fácil perceber, apesar da escuridão. Meu coração tem estado nestas paredes. Estou no On the Rocks.
Está tudo escuro e sei, com aquele tipo de certeza inquestionável de sonho, que aquele único cliente sentado em uma mesa, de costas para mim, não está lá para uma bebida.
Exceto por aquele homem, o bar está fechado e vazio e Teo grita meu nome do lado de fora, chamando-me para perto dele. Quero ir, mas sei que tenho algo a fazer antes. Então, me aproximo da sombra encapuzada à minha frente e sua dor profunda, cortante, aguda, quase me joga para trás, mas eu firmo meus pés.
            Sobre a mesa estão suas luvas negras e vejo que ele tem as mãos estendidas diante de si, palmas para cima, e suas mãos pálidas estão cobertas de sangue. Primeiro devagar, depois cada vez mais freneticamente, ele começa a esfregá-las em suas roupas, tentando se limpar, e então seu desespero escala a barreira do impossível e ele crava as próprias unhas em sua pele, os dedos de uma mão na palma da outra, tentando se livrar do sangue, mas rasgando-se no processo. Sua respiração está ofegante, irregular, saindo em golfadas dolorosas.
            — Pare, por favor — imploro, e nunca senti necessidade mais premente em toda minha vida. — Você está se machucando!
            Por sobre os ombros, ele olha para mim e seus olhos são negros como a noite. Não apenas escuros. São dois buracos negros sob suas pálpebras. Íris, pupila, esclera... Tudo imerso em trevas sem estrelas.
            — Preciso fazer isso — ele responde, e sua voz também é escura, rasgando talhos de noite pelas paredes. — Se eu não me machucar, vou acabar machucando você.
            Teo ainda está lá fora e seus gritos ficam mais desesperados quando dou a volta na mesa para ficar de frente com o homem-noite. Escuto-o esmurrar a porta com força, como se estivesse prestes a derrubá-la, mas não quero que ele entre. É perigoso aqui. E não sei por qual dos dois homens temo mais. Só sei que quero que a Noite pare de se ferir. Preciso que ele pare.
            — Então me machuque, não me importo. Quero salvar você.
            Em algum lugar longínquo, Paty está cantando e há um cheiro de café e pão quente que invade meus sentidos, mas não me importo com isso agora. Nem temo por ela, porque sei que só eu a estou ouvindo. No mundo do homem-noite, apenas minha voz ecoa minhas últimas palavras.
            Quando as ouve, ele levanta a cabeça surpreso e seu capuz escorrega um pouco para trás. Prendo minha respiração na expectativa de ver seu rosto e só agora percebo o quanto anseio por isso, mas está escuro demais e seus olhos de trevas fazem a luz parecer ainda mais impossível.
            Ele inclina a cabeça de lado num movimento mecânico, estranho, quebrado, mas interrompe o que está fazendo e se levanta, contorna a mesa e para diante de mim. Estendo minhas mãos em busca das dele, caídas ao lado de seu corpo enquanto grossas gotas de sangue desmoronam ruidosamente ao nosso redor. Seus olhos ainda são a única coisa que consigo ver e sei que ele está confuso, chocado, perdido, porque nunca ninguém o amou o suficiente para oferecer sua vida por ele e sempre foi mais fácil acreditar que ninguém jamais poderia. Mas eu estou aqui e ele parece duvidar que isso seja possível.
            Estendo minhas mãos mais uma vez para ele e desta vez ele faz o mesmo, mas não chego a segurá-las. O ar ao nosso redor acaba de súbito, sorvido por nosso espanto. Sua pele não está mais ferida, não há mais sangue em suas mãos.
            Ele as examina, pasmado, primeiro as palmas, depois as costas das mãos, e seus dedos pálidos estão imaculados e trêmulos quando ele agarra as bordas de seu capuz, pronto para empurrar o tecido para trás e finalmente, finalmente, me deixar ver seu rosto. E eu quero isso. Quero muito. Subitamente, é como se nada mais importasse no mundo.
            A luz do sol começa a penetrar pelas janelas, expulsando as trevas de seus olhos. Percebo que tudo está diferente. Teo não está mais lá fora e o bar não está mais vazio, mas não me importo com nada disso. Só o que me importa é saber quem ele é, porque posso ver que ele está sorrindo e sei que é por minha causa e então...

            — Bom dia, flor do dia!
            — Quê!? Aaah! — digo, rolando para o lado e puxando o travesseiro para cobrir meu rosto. Nunca imaginei que pudesse odiar um sorriso de covinhas.
            — Credo! Mau humor matinal, é? E eu que pensei que a Srta. Tudo São Flores acordasse vomitando borboletas!
            — Hum, desculpe — digo, destampando meu rosto e me sentando na cama após me dar conta da minha falta de educação. — É que eu estava tendo um sonho e você chegou numa hora importante.
            — Ai, caramba! Não me diga que você estava tendo um sonho erótico e eu cheguei na hora H? — pergunta Paty, sentando-se ao meu lado, os olhos brilhando de curiosidade.
            — NÃO! — grito. — Eu não estava tendo um sonho erótico!
            — Aham. Agora me conta: você estava sonhando com o Teo, né?
            — Teo estava lá também, mas havia outro homem...
            — Quê!? Você estava tendo um sonho erótico com o Teo e com outro homem? Mas que safadeza!
            — Eu já disse que não estava tendo um sonho erótico!
            Céus! Eu nem sei o que é isso!, pensei, sentindo o sangue esquentar meu rosto de vergonha.
            — E eu já disse “aham”, ou seja, já passamos dessa fase da conversa. Mas agora estou interessada nos detalhes sórdidos. Era o seu ex?
            Meu ex? Ah, certo! Aquele da mentira.
            — Não, não. Eu não sei quem ele era. Eu ia descobrir quando você me acordou.
            — Uh, que devassidão! Isso está ficando mais sujo do que eu imaginava! Vocês estavam mascarados, é? E usavam mais alguma coisa além da máscara?
            — Ai, Paty, por favor, pare com isso. Eu. Não. Estava. Tendo. Um. Sonho. Erótico — digo, cobrindo o rosto com as duas mãos porque não aguento olhar para ela e para aquela sua expressão de eu-sabia-que-você-não-era-santa.
            — Ok. Ok. Não precisa ficar nervosa. Então esses são os seus sonhos normais? Imagina só os eróticos! Só que agora estou num dilema, porque eu meio que queria espremer você até saber os detalhes, mas estou com medo de você ter um aneurisma de tanta vergonha. Acho que todo sangue que você tem no corpo está na sua cara agora — brinca, puxando minhas mãos para olhar para o meu rosto.
            Então, quando percebe como eu estou, ela suaviza a voz daquele jeito que faz comigo às vezes, como se eu fosse uma mocinha ingênua, o que não está muito distante da verdade, pelo menos na parte do “ingênua”.
            — Por que tanta vergonha? Afinal, você está mesmo namorando um gostoso. Quer dizer, é natural.
            Quando ela menciona Teo me sinto corar ainda mais, se é que isso é possível, e me apresso a esclarecer, não sei bem por quê:
            — Teo e eu não... — Nem sequer nos beijamos! — Nós não somos namorados.
            — Não estão namorando? E ele sabe disso, por acaso? Porque o coitado está todo apaixonado. Olha, Branquinha, quando eu percebi que ele estava a fim de você e você dele, saí fora da jogada. Mas você sabe que eu estava a fim. Não gosto da ideia de tê-lo deixado para você só para aí você dar uns amassos nele e depois cuspi-lo fora como um chiclete mastigado. Tem alguma coisa nele, Clara, eu não sei dizer o que é, mas eu sinto que ele é o tipo de cara pra ser levado a sério.
            Eu sei o que é. Sei por que ela se sente assim. Os humanos têm uma espécie de instinto a nosso respeito, algo que repele sentimentos levianos ou paixões passageiras que possam nos distrair ou comprometer. Eles simplesmente sabem que se vão nos dedicar uma parte de seu coração, não deve ser nada menos do que amor permanente e sincero.
            E isso me deixa preocupada.
            — Não pensei que você tivesse gostado tanto assim dele. Achei que você só tinha achado ele atraente.
            — Ah, também não é pra tanto, vai. Não é porque eu estou defendendo o cara que você vai ficar aí pensando que eu estou apaixonada por ele. Deixa eu te dizer uma coisa, minha linda, Patrícia Moraes não se apaixona. Isso é para os fracos – mente Paty, e pela primeira vez percebo o que significa a ruguinha que de vez em quando, como agora, se forma e desaparece rapidamente entre seus olhos. Significa que Patrícia Moraes mente para mim com muito mais frequência do que eu imaginava.
            — Desculpe, se eu soubesse...
            O que eu faria?
            Não faço ideia, já que não consigo evitar a força que me puxa implacavelmente para Teo. Não sei que espécie de amor sinto por ele, mas sei que o amo. Tanto quanto sei que não quero magoar Paty.
            Ah, céus! Alberto devia ter te explicado melhor sobre essa parte.
            E cá estão os pensamentos escorregadios de minha mente para me lembrar de meu “professor”, meu amigo Alberto, aquele que me ensinou tudo o que eu não pude aprender sozinha sobre quem nós somos. Talvez eu devesse ligar para ele. Estou mesmo com saudades.
Talvez seja isso que eu esteja destinada a ser para Teo. O que Alberto foi para mim. Talvez eu esteja confundindo o fato de ele ser meu protegido, de eu precisar orientá-lo, com amor.
Não. Eu sei que o amo.
— Não vou fazer isso, Paty. Não vou mastigá-lo e cuspi-lo fora como chiclete velho, como você disse. Eu gosto muito dele. Só não sei se...
E aqui me interrompo de novo. Como vou dizer a ela que nunca estive apaixonada, que tudo que sei a respeito do amor entre um homem e uma mulher vem da ficção, dos filmes a que assisti, dos livros que li...? Como vou explicar que amo aquele anjo tanto que nem consigo entender, mas que não sei que espécie de amor é esse?
— Entendi. Você não sabe se quer ter um relacionamento com ele, né? Olha, não quero te pressionar nem nada, mas eu acho que a dúvida já é uma espécie de resposta — diz ela, interrompendo meus pensamentos, mas sua observação é tão simples e precisa que chega a me assustar.
— Não quero magoar ninguém. — E é a minha vez de ser simples e precisa.
— Eu sei que não, querida. Você se afogaria numa pocinha de cuspe antes de fazer mal para alguém de propósito, mas a verdade é que você precisa pensar bem no que sente por ele antes que o coitado se encha de ilusões.
— Você acha mesmo que ele está apaixonado por mim?
— Branquinha, se aquele cara não está de quatro por você, talvez a gente devesse checar melhor se ele não é alguma raça nova de cachorro, porque é o que ele parece andando atrás de você.
— Ai, Paty! Você tem um jeito tão debochado de dizer as coisas! — E não consigo evitar a risada breve que me escapa, mas em seguida fico séria novamente. Ainda mais preocupada do que estava antes.
— Olha, vamos lá, não faz essa cara que eu me sinto culpada por estar te dando essa bronquinha. Deixa eu te ajudar. É só você se fazer algumas perguntas. Não responda agora, senão você vai se apressar em dar uma resposta para mim e a resposta deve ser pra você. Só pense a respeito, ok?
Balanço a cabeça afirmativamente, embora não faça ideia do que ela esteja falando.
— Certo. Então pense nisto. Número um: você pensa muito nele? Tipo, consegue imaginá-lo em sua vida daqui a uma semana, um mês, um ano?
Penso nele o tempo todo. E não quero imaginar um mundo em que meus olhos não possam mais vê-lo. Só de pensar que eventualmente isso vá acontecer me faz sentir como se cem pessoas aleatórias tivessem resolvido me dar um soco no estômago. Então até aqui está fácil. Paty olha bem em meus olhos e continua, o modo conselheira amorosa ligado na última potência, ao que parece.
— Está pronta para lidar com os defeitos dele quando eles começarem a surgir? Se bem que eu meio que sei que essa pergunta é estúpida — diz ela, revirando os olhos. — Você justifica os defeitos de todo mundo, até da lambisgoia da Lara. Imagina só se não vai ser assim com os defeitos do gostosão? Acho que ele precisaria te atropelar cinco vezes seguidas para te deixar com raiva. Mas em todo caso, pense nisso.
Nem preciso. Que defeitos um anjo potencial podia ter que fossem suficientes para me repelir?
— Tudo bem — continua ela. — Esta pergunta vai parecer boba, mas é importante. Então pense nela com cuidado. Bom, você sabe que ele é bonito. Não é cega. Mas você o acha realmente atraente? Porque não é a mesma coisa, sabe? — diz Paty, quando sinto minha testa franzir para ela. — O que eu estou perguntando é se você consegue imaginá-lo... E não estou falando de beijinhos e abraços, hein! Você consegue imaginar que, por muito tempo, teoricamente para o resto de sua vida se as coisas derem certo, ele será o cara que... Bom, você consegue imaginá-lo tocando em você? Daquele jeito? Para sempre?
Muito bem, Mrs. Robinson, chegou a hora da verdade.
Fecho os olhos e me lembro do dia em que o conheci, de como sua imagem e sua voz derrubaram todas as minhas defesas. Lembro-me de como me senti quando ele tocou minha mão e de como o calor de seu corpo contra o meu, quando ele me apoiou no dia do ataque, me fez sentir em casa. Eu quero estar nos braços dele. Sim, eu quero muito que ele me toque. Muito mesmo.
Mas daquele jeito?
Tento levar minha imaginação além, para limites que meu cérebro casto nunca chegou realmente a cruzar. Nunca pensei nisso antes. Era simplesmente algo que não fazia parte de minha vida. Não sou uma humana comum. Mas eu amo Teo e preciso entender se é do jeito que uma mulher ama um homem. Uma mulher humana. E um homem humano.
Uh-oh!
Abro meus olhos assustada.
A resposta é.

Não.

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