Capítulo 13 –
Encantada
Your eyes
whispered "have we met?"
Across the
room your silhouette
Starts to
make it's way to me
The playful
conversation starts
Counter all
your quick remarks
Like passing
notes in secrecy
And it was
enchanting to meet you
All I can say
is I was enchanted to meet you
This night is
sparkling, don't you let it go
I'm
wonderstruck, blushing all the way home
I'll spend
forever wondering if you knew
I was
enchanted to meet you
(Enchanted –Taylor
Swift)
“Beto, sou eu de novo. Estou... Bem, é a terceira vez que ligo. Estou
ficando preocupada. Por favor... Está tudo bem comigo, mas eu realmente queria
falar com você. Por favor, me ligue.”
Afasto o celular da orelha e fico olhando para ele como se Alberto
estivesse escondido ali e fosse aparecer a qualquer momento. Eu não quero soar
desesperada, por isso não liguei tantas vezes quanto gostaria, mas a verdade é
que eu estou ficando realmente inquieta com o fato de ele não ter me ligado de
volta.
Quer dizer, eu sei que ele está bem, teria sentido alguma coisa se ele
não estivesse, já que nossas energias estiveram por tanto tempo conectadas, mas
sua ausência é estranha.
Não que ficássemos em contato o tempo inteiro. Na verdade, passávamos
temporadas juntos quando a solidão ficava muito pesada para ser carregada
sozinha, mas ficávamos anos sem nos ver depois disso. Já faz cinco anos desde a
última vez.
Nesse meio tempo, só nos falamos em uma ocasião, há seis meses, quando
liguei para dizer que estava me mudando para cá, caso ele quisesse ou
precisasse me encontrar. Pensando novamente naquela última conversa, percebo
que ele pareceu estranho ao telefone, distante e evasivo como se quisesse me
dizer alguma coisa, mas não tivesse coragem. E agora eu tinha mais uma coisa
com que me preocupar.
Porque, aparentemente, o ataque, o
fechamento do bar, o possível sentimento de Paty por Teo e a sua própria
confusão sentimental não são o bastante!
Já faz dois dias desde que tive aquela conversa com Paty e desde então
venho evitando Teo. Sei que não conseguirei fazer isso por muito mais tempo,
mas por agora não sei o que mais posso fazer. Tenho muita vontade de estar com
ele, mas não entendo a natureza desse sentimento, então preciso mantê-lo longe
por mais um tempo.
Droga! Como posso já estar sentindo
tanta falta?
— Descansando, princesa? — diz a voz de Lara, me tirando de meus
devaneios. — O bar está começando a encher. E estou bem certa de que Samuel não
te paga para escorar a parede do banheiro dos funcionários.
— Oi, Lara. Como vai? Eu já estou indo. Só precisava dar um telefonema e
com todo barulho do bar...
— Hoje é sábado, meu bem. Não dá tempo de ficar aí tagarelando com seu
namoradinho. Aliás, pelo menos desta vez você fez alguma coisa de útil, não?
Estão dizendo que você está se enroscando com um desses cantores que tocam aqui
no bar e que ele salvou você de ser estuprada ou sei lá... O que eu gostei
dessa notícia é que vai parar de dar em cima do Samuel. Ou um cara não é
suficiente para você?
— Samuel!? Não, Lara, eu nunca...
— Ah, para de papo furado! Todo mundo sabe que antes de começar a namorar
comigo ele corria atrás de você! — Ahn!?
Todo mundo menos eu, pelo visto. — Mas, claro, isso é porque você fica aí
dando mole!
— Mas Samuel não se importa comigo, Lara. Sou só uma funcionária. Você
está enganada!
Meu Deus! Como foi que chegamos
nessa discussão sem sentido?
— Sonsa, desgraçada! Ainda se faz de desentendida! Mas ele não precisa
mais de você, viu? Está muito bem acompanhado agora!
Um estrondo de porta se abrindo e se chocando contra a parede interrompe
a conversa. Em meus lábios, a resposta que eu ainda nem tinha planejado morre
rapidamente.
— Algum problema aqui? — diz Paty, parando à minha frente e espalmando a
mão na parede entre eu e Lara, o braço bem em frente ao meu rosto, já que ela é
bem mais alta que eu, tampa um pouco minha visão, mas não o suficiente para que
eu não veja a expressão de Lara trair seu medo. Mesmo assim, ela tenta não
aparentar e continua.
— Nada que te diga respeito, Pa-trí-cia — provoca Lara, silabando o nome
num tom de voz irritante. — Isso é entre eu e a sonsinha escondida aí atrás de
você.
— Meu Deus, Clara, olha só! Ela sabe separar sílabas! — diz Paty, se
virando ligeiramente para mim, com um sorrisinho cínico no rosto, depois se
volta novamente para Lara. — Pois é Se-nho-ri-ta Pa-trí-cia pra você,
lambisgoia. E você não tem nenhum assunto com a minha amiga aqui. Pelo menos
nenhum que não envolva minha mão enfiada no meio da sua cara!
A voz de Paty é fria e seca, cortante como uma chicotada, e sei pela
energia vermelha que flui de seu corpo que ela está absolutamente furiosa. Lara
titubeia e mais uma vez sua expressão insolente se desmancha um pouquinho para
logo ser recomposta novamente.
— Eu não tenho medo de você, idiota. Mas também não vou ficar aqui
perdendo meu tempo com vocês duas, porque se nós três estamos aqui, significa
que não tem ninguém pra atender os clientes. Não me admira o bar estar em maus
lençóis com tanta gente vagabunda trabalhando aqui.
— Você incluída, né, queridinha? E todo mundo sabe que o único problema
do bar é o vício de seu namorado no jogo, então não me venha com essa. Agora “rapa”
daqui que eu cansei da sua cara e estou ficando com muita vontade de redecorá-la
em tons de vermelho. Vai combinar com esse seu cabelo falso aí.
Em um movimento instintivo Lara segurou uma das mechas de seu cabelo
tingido de ruivo e, mais uma vez, compôs uma expressão cuidadosamente
insolente, ainda que uma névoa amarela a envolvesse quando Paty estendeu o dedo
e brincou ameaçadoramente com a argola pendurada em sua sobrancelha.
— Vá à merda, Patrícia! — disse ela, batendo na mão de Paty para afastá-la
de seu rosto. Depois saiu batendo o pé, a névoa recuando para dentro dela de
novo à medida que se afastava e fechava a porta atrás de si sem nos olhar.
— Meu Deus, Clara! Se você não vai se defender podia ao menos gritar
quando essa mulher horrorosa te prensar contra a parede assim. Ou será que você
não percebeu que ela queria te bater?
— Não precisa ficar tão nervosa, Paty! Eu agradeço por fazê-la sair
daqui, mas não acho que ela fosse me bater.
— Ah, tá. Então ela só pretendia te insultar numa atitude realmente
agressiva. Acho que então tudo bem! — diz ela ironicamente. — Você às vezes me
irrita com essa mania de não se defender! Parece que não posso virar as costas
um segundo quando ela está aqui.
— Calma, por favor. Não quero que você fique assim. E se te tranqüiliza
um pouco, se ela fosse mesmo me bater eu reagiria. Também não sou tão indefesa
quanto você pensa.
— Sei, sei. Você ia dialogar com ela até a morte, de certo. Já estou até
imaginando a cena: eu ia chegar aqui e encontrá-la encolhida em posição fetal
no seu colo enquanto você mostrava pra ela que ela não é tão má assim.
— Mas ela não é...
— Ah, chega! — Faço uma cara meio ofendida para ela, mas me calo mesmo
assim, porque sei que ela só está preocupada comigo. — O que ela disse, afinal?
Por que ela estava brigando com você dessa vez? — pergunta Paty, se acalmando
um pouco.
— Você não vai acreditar — digo, lembrando do quanto fiquei chocada com
as acusações. —Sabe por que ela tem tanta raiva de mim?
— Sei.
— Quê?
— Bem, eu suponho. Mas diga o que ela falou.
— Ela disse que Samuel era a fim de mim e que era porque eu dava mole pra
ele.
— A primeira parte combina com o que pensei... ela tem ciúme. E uma
inveja tremenda também, porque todo mundo gosta de você e ninguém vai com a
cara dela. Mas a segunda parte é ridícula, daí é que a gente vê o quanto a
bicha é burra. Se ele era a fim de você e você dava mole pra ele era para
estarem juntos, não? — Então ela se interrompe e faz cara de nojo. — Embora
imaginar isso tenha sido o “momento eca” da semana. Uh! — Solta o ar bufando. —
Mas que ele andava atrás de você, andava.
— Mesmo? Mas você disse que ele faz isso com todas.
— E faz mesmo, mas com você era diferente.
— Diferente como?
— Sei lá. Diferente. Ainda bem que agora ele tem aquele dragão soltando
fogo pelas ventas atrás dele. Mas se ele achasse que você estava a fim...
— Ah, não! — digo assustada. — Nunca nem me passou pela cabeça.
— E se tivesse passado eu teria tirado na porrada. Onde já se viu? Aquele
sem-vergonha nojento! Mas agora vamos. A descerebrada tem razão em uma coisa, a
gente precisa ir trabalhar.
— Eu sei. Vamos lá.
— Respira fundo então, porque esta noite promete.
Num instante, estamos lá fora, o calor e a energia do lugar ajudando-me a
empurrar minhas preocupações para o canto escuro onde vou buscá-las depois.
********
Paty tinha razão quanto às promessas da noite. O bar está cheio e a
energia da música transborda pelos corpos. Com a noite chegando ao fim, os
clientes já pouco se importam em fazer pedidos, estão mais preocupados em
curtir o show. Isso me dá tempo para finalmente respirar um pouco e observar as
pessoas. Eu adoro observá-las, em especial quando estão entregues à música como
se ninguém estivesse olhando. E num lugar como este é ainda mais divertido.
Só quem vem aqui são os fãs de rock e quem os vê de fora não os entende,
não percebe a beleza de sua singularidade. Mas eu sim. Para mim eles são tão
lindos! A ingenuidade de sua revolta, a intensidade crua de suas emoções. São
como olhar um coração de perto, segurá-lo em suas mãos enquanto ainda funciona,
sabendo que é tão frágil e vulnerável quanto vigoroso, espalhando vida por tudo
ao redor. E, não, antes que você me pergunte, eu nunca segurei um coração
batendo em minhas mãos. É claro que não! Mas é a imagem que me vem quando vejo
a força extraordinária dessa paixão, o arrebatamento a que se entregam. Esta é
uma irmandade, uma união forjada por um sentimento que só pode ser expresso
através destes sons, que viajam pelo ar e te fazem perceber que nada é mais
parecido com um sussurro do que o grito de muitas vozes. Paradoxalmente, esses
sons que rasgam o ar têm a mesma beleza do silêncio.
Olho para eles, todas essas crianças com suas roupas pretas e seus
cabelos compridos. A beleza de sua eterna melancolia misturada com a potência
do grito que arrebenta de suas almas. A voz macia do vocalista os embala ao som
de One[1],
essa bela música que fala de união e de diferenças, sobre como fluímos
irremediavelmente uns para os outros. É tudo tão bonito, tão doce que apenas me
deixo levar pela harmonia dessa energia, deixo-a se derreter dentro de mim como
se aqui estivesse muito, muito calor. Em um minuto, minhas emoções escorrem
pelas minhas mãos e estou quente por dentro, como num abraço que nunca vai
terminar.
É então que o vejo. Seus olhos estão fechados e ele está parado,
respirando os sons. Os corpos que se movem em torno dele parecem não afetar em
nada sua calma imperturbável. Ninguém o toca. É como se soubessem. Como se
pressentissem que ele é uma ilha e eles são como o mar que esbarra em suas
pedras, tomando um pouco dele para si, e então não quisessem tomar-lhe nada.
Fico me perguntando quem ele é e por que sinto como se o interior da terra
estivesse se rearranjando neste momento.
De alguma forma, ele parece saber que o estou observando, porque abre os
olhos e seu rosto se vira lenta, mas deliberadamente em minha direção. Seu
olhar encontra o meu instantaneamente e ele sorri.
É apenas um sorriso discreto que levanta um dos cantos de seus lábios,
mas algo estala em meu peito como se o ritmo da música estivesse agora dentro
de meu coração. Posso sentir a estrutura das coisas se transformando quando nos
olhamos. E é como se não fosse a primeira vez.
Aquele rosto. É como se já morasse dentro de mim.
Todos os belos rostos humanos que eu já tinha visto passam diante de mim
e fundem-se ali, diante de meus olhos. Sei que o sangue que arde em mim agora
tinge minha pele numa expressão estúpida e constrangida. Ele me faz sentir
vulnerável quando me olha como se visse tudo ao meu respeito, mas não consigo
cortar a conexão. E é como se um fio invisível o puxasse para mim.
Ele começa a andar em minha direção, abrindo passagem sem nenhum esforço,
como se as pessoas soubessem, sem sequer olhá-lo, que não devem ficar em seu
caminho. Ele parece perigoso de um jeito dolorosamente inevitável, como um
magnífico e profundo abismo quando se acredita ser capaz de voar.
Irresistível.
Lindo.
Seu cabelo escuro é brilhante e com nuances mais claras. Precisa ser cortado,
pois em suas pontas formam-se voltas, cachos rebeldes que não deveriam estar
ali. O corpo magro tem membros longos e elegantes, mas não é um corpo delicado,
frágil, feminino. Definitivamente, não. Seus contornos são bem definidos e vê-se
bem pelos seus modos ágeis que ele não se sairia mal em uma briga. Seus ombros
largos descem em V, culminando numa cintura que se flexiona em ângulos rígidos
mas bonitos quando ele se move.
Ele parece muito jovem, bem mais do que provavelmente é, seus traços são
bem delineados e suaves, os olhos claros contrastam com espessos cílios
escuros. A pele é clara e lisa e sua
expressão se suaviza de um jeito quase inocente quando ele se aproxima. Ele
para diante de mim e sorri mais uma vez e, neste momento, sua beleza é tão pura
que parece quase infantil. Mas seus olhos são antigos e sua boca é má, do tipo
que ri antevendo o desastre. Os olhos parecem anteriores a tudo, anteriores ao
tempo, estreitando-se enquanto absorvem as eras. Todo ele é paradoxal, um foco
de luz alimentando-se de escuridão. Como um Dorian Gray[2]
que espreita imaculado enquanto um quadro apodrece em algum canto poeirento.
— Você não combina com este lugar
escuro, Luz — diz ele como se continuasse uma conversa começada há pouco, como
se também sentisse que já nos conhecemos. —
O-o quê? — pergunto, simplesmente porque não sei como reagir ao chão que estremece
sob meus pés quando ele se debruça sobre o balcão que nos separa e inclina o
rosto para mais perto do meu.
— Estou dizendo que você ilumina este
lugar.
Agora, normalmente, seria a hora em
que minha mente malcriada faria alguma gracinha e me insultaria por estar aqui
gaguejando, mas ela está calada. Tudo em mim está em silêncio, imerso na
contemplação deste homem misterioso que me desatina sem nenhuma razão aparente.
— Você quer alguma coisa? — consigo
perguntar, apenas porque quero ouvir sua voz novamente.
— Oh, sim. Eu quero muitas coisas —
ele responde com os olhos ainda cravados em mim, dançando pela minha boca e
depois voltando a prender meu olhar.
Muitas coisas.
Engulo o ar com força assim que
percebo que parei de respirar. Que tipo de homem diz algo assim, mas age como
se não esperasse por uma resposta?
Tento me focar em alguma coisa
concreta, em quem ele é, por exemplo. Reparo na cadência diferente com que
fala, no jeito como sua voz soa inesperada e agradável, como vento num dia de
sol.
— Você não é daqui. — E não consigo
decidir se essa é uma afirmação ou uma pergunta, então a frase soa inacabada,
sem a entonação correta.
— Não — ele diz simplesmente. Fico
esperando-o continuar, mas ele não o faz, e antes que eu me decida por
perguntar alguma coisa é a vez dele: — Como é seu nome?
— Clara. — Estendo a mão, esperando
que ele a segure e que complete nossa apresentação. Ele olha para mim,
indeciso, então segura as pontas de meus dedos.
— Faz sentido. É um nome adequado
pra você, Luz.
Luz.
Por que sinto meu coração se
contorcer no peito quando ele diz isso?
Quero perguntar seu nome, saber de
onde ele vem, o que está fazendo aqui e por que há tanta expectativa em seus
olhos, mas fico apenas sentindo a pressão de seus dedos nos meus. De repente,
ele puxa a minha mão e a beija suavemente. Seus lábios são macios e quentes e
eu quero mais. Quero que eles nunca mais se desgrudem de minha pele. No
entanto, ele se afasta.
— Logo nos veremos de novo — ele diz,
e posso sentir o calor de sua respiração antes dele se afastar, me soltando.
De repente, ele não está mais em nenhum lugar em que possa vê-lo, mas meu
corpo parece todo repleto de sua presença. Fico parada ali, perguntando a mim mesma
que fraqueza estranha é essa que toma meus joelhos, quando escuto um assobio
admirado atrás de mim.
— O que foi isso, Jesus? Que homem é esse?
— Não sei, Paty. Eu não o conheço.
Ainda, é o que espero.
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