Capítulo 14 – A
Persistência da Memória
It took a
moment before I lost myself in here
It took a
moment and I could not be found?
Again and
again and again and again I see your face in everything
It took a
moment the moment it could not be found?
(Echelon – 30 Seconds To Mars)
Algumas coisas ficam conosco.
Você não faz nenhum esforço consciente para torná-las parte de você, mas,
como se tivessem vontade própria, de repente é lá que elas estão, bordadas à
trama de suas memórias, escorrendo impiedosamente sob a superfície calma de
seus pensamentos conscientes. E vez ou outra, sem que você tenha qualquer
controle, elas vêm à tona, clamando por sua atenção nos momentos em que você
acha que a vida é sobre outra coisa bem diferente.
É aquela canção que você vive cantarolando sem perceber. O rosto do qual
você se recorda, mas não sabe de onde nem por quê. O cheiro que te leva de
volta para casa mesmo quando você está muito, muito longe no tempo e no espaço.
A cena que você não se lembra de ter visto, mas que sempre te parece familiar.
A sensação estranha e indefinida de déjà
vu.
Eu não conhecia o homem de cabelos escuros e olhos claros, mas ele era agora
como um déjà vu pra mim. Sua presença
ficou em minha pele, o toque de seus lábios como uma história há muito escrita
em algum lugar desconhecido de meu corpo. Como uma tatuagem. Sim, ele estava
tatuado em minha memória. Estranho. Excitante. Assustador. E sem nenhuma razão
aparente, eu não conseguia parar de pensar nele.
Durante os dias que se seguiram, ele não voltou a aparecer.
Por que voltaria? Porque te fez uma
promessa? Como você é boba!
Mas por ingênuo que pudesse parecer, eu me via constantemente olhando
para o lugar onde o vi pela primeira e única vez, meus olhos ansiosos em busca
daquela energia estranha e indecifrável que bagunçava meus sentidos. Ansiosa e
ao mesmo tempo com medo de que ele cumprisse sua palavra de voltar, a de que
nos veríamos novamente. Logo.
E você vai fazer o quê?Mal
conseguiu dizer nada da última vez.
Minha mente malcriada fica especialmente mal-humorada quando penso nele. Essa
faceta de mim não gosta quando eu fico assim, sonhadora e sem foco. Mas a
verdade é que cada parte minha quer vê-lo de novo, inclusive ela. E eu estou
começando a gostar do sentimento de borboletas no estômago que isso me traz.
Que clichê!
Volto a pensar no que faria se o visse novamente. Não tenho nenhuma ideia
coerente a respeito, mas imagens de meus dedos se afundando em seus cabelos
escuros me invadem como uma onda pequena e traiçoeira que tira meus pés do
chão.
“O que será que ele faria? Como seria tocar nele, saber seu nome, deixar
o som de suas palavras se derreterem em meus ouvidos?”
Sorrio feito boba quando penso nisso. Imagino seus olhos claros me
olhando e ele sorrindo para mim como se estivesse feliz em estar comigo. Como
se, de repente, eu fosse uma mulher comum e não houvesse nada de complicado em
minha vida, a não ser descobrir o que meu namorado está pensando quando me olha
de um jeito misterioso...
Espera. Um pouco.
Namorado!?
Você parece estúpida, Clara!
Fantasiando sandices com um cara que você nem conhece? Mas que loucura é essa?
Todo esse tempo sem que nenhum homem lhe chamasse a atenção, e agora você está
aí como tonta querendo pintar corações num caderno rosa?
Esse pensamento me traz de volta à realidade. Lembro que não sou a mesma
desde que Teo entrou em minha vida. E agora esse homem. Há coisas muito
estranhas acontecendo comigo e eu preciso esclarecer pelo menos uma parte
delas.
Sem pensar, pego o telefone e mando uma mensagem de texto para Teo,
chamando-o para almoçar em meu restaurante favorito. Não tenho coragem de fazer
a ligação e ouvir a voz dele depois de tantos dias inventando desculpas para
não encontrá-lo. Espero sinceramente que ele não esteja chateado comigo, embora
eu mereça. Ele é um anjo, literal e metaforicamente, e eu tenho sido terrível
com ele. Quase desejo que ele diga que não quer me ver nunca mais. E ao mesmo
tempo não consigo imaginar a minha dor se isso acontecesse. Quando a resposta
chega, minutos depois, estou me afogando em autopiedade e expectativa:
“Por que demorou tanto? Vejo você lá daqui uma hora. Senti saudades.”
Oh, céus!
Penso com horror que ainda não tenho um plano, mas ignoro o nó em meu
estômago e começo a me preparar, ao menos externamente, para a difícil tarefa
de encarar o desconhecido.
********
Quando chego ao restaurante, Teo já está lá me esperando. Mal tenho tempo
de respirar antes que ele se levante e me abrace carinhosamente. É tão bom
estar nos braços dele que chega a ser horrível! Faz eu me sentir a pior pessoa
que existe.
Como eu poderia merecer esta sensação de preenchimento que ele me traz?
Como vou dizer a ele que não quero ser sua namorada, mas que o amo e não
suporto a ideia de perdê-lo?
Talvez a melhor maneira fosse dizer a verdade. Contar a ele que não somos
humanos normais e que a atração que ele sente por mim tem, provavelmente, muito
mais a ver com isso do que com alguma espécie de amor romântico... Seria tão
fácil se eu pudesse!
Mas, ao contrário de mim, para quem nossa condição sempre foi tão clara e
natural, Teo parece alheio a qualquer indício da verdade. Alberto me falou
sobre anjos assim, que demoram a perceber, que não estão prontos para saber
enquanto seu lado humano ainda é tão atraente, seus laços com o mundo tão
fortes e evidentes. São, em geral, os que “dizem não”.
Por isso estou aqui, para mostrar a ele como as coisas são. Para ensinar,
paciente e demoradamente, o valor de nossa missão. E depois instruí-lo, caso
sua resposta seja sim, ou tranquilizá-lo e partir em paz, se seu lado humano
falar mais alto.
Mas não agora. Não quando seu coração e o meu estão tão confusos. Não
quando a notícia seria apenas uma novidade chocante e até dolorosa para ele.
Não vou ser irresponsável quanto a isso. Eu devo a ele que esta parte seja boa,
que ele entenda a beleza de quem ele é e do que pode ser, que possa escolher
sabiamente. E isso não vai acontecer hoje, no dia em que vou partir seu
coração.
— Vegetariana, hein? — ele diz sorrindo. — Não sei por que, mas antes de
você me chamar para vir a este lugar, eu já sabia que ele era a sua cara. E o
que você recomendaria aqui para um cara não muito vegetariano? — Teo pergunta,
enquanto examina o cardápio distraidamente.
Sorrio nervosamente para ele, mas fico grata pela conversa
descompromissada para a qual ele está abrindo caminho. Ele não está me cobrando
pelo meu sumiço, pelas minhas desculpas obviamente falsas, pelo meu súbito e
desleixado reaparecimento em sua vida... É como se soubesse. E é tão pacífico
estar ao lado dele! Como humano, ele é um conciliador. Seria um bom advogado,
por exemplo, se quisesse, um juiz irrepreensível ou homem de negócios bem
sucedido. Como anjo, caso ele se tornasse alguém como eu, seu poder se
desenvolveria a partir dessa propensão, imagino.
É o que acontece normalmente.
Mas agora não é hora de pensar nisso e eu me volto inteiramente para a
nossa conversa, para a trégua que ele tão elegantemente me proporciona, e
passamos minutos agradáveis falando sobre o cardápio, fazendo nossos pedidos e
falando sobre amenidades como o clima ou a decoração do lugar.
Quando isso se esgota, olho para ele e um pedido de perdão se forma em
minha garganta, mas o apelo emotivo que ele representa se perde quando meu
celular vibra ruidosamente sobre a mesa, e minhas palavras acabam se
transformando em desculpas banais.
— Sinto muito, eu devia ter desligado, mas estou esperando uma ligação
importante. Você se importa que eu atenda? — pergunto, lançando um olhar
constrangido para ele.
— Não, claro que não. Eu ia mesmo lavar as mãos. Já volto.
Ele sai e eu atendo às pressas. Sinto-me terrivelmente mal-educada e me
censuro por deixar que algo interrompa nossa conversa e que me dê mais uma
razão, por mais banal que seja, por que me desculpar. Entretanto, durante todo
esse tempo, Alberto não me deu notícias e tenho a esperança de que seja ele,
apesar da mensagem de NÚMERO PRIVADO que aparece na tela.
— Beto?
— ...
— Olá, quem está falando? — insisto, mas não há resposta.
Há apenas silêncio do outro lado da linha. Estou confusa e decepcionada
quando a respiração pesada se torna familiar e eu percebo que não é Alberto.
Desde que me mudei para cá tenho recebido ligações assim, às vezes com
uma frequência perturbadora. Na primeira vez achei que fosse uma brincadeira de
criança, mas essa impressão não durou muito. Não há a leveza das crianças em
algo assim. E mesmo sem que a pessoa do outro lado nunca tenha dito sequer uma
palavra, sinto a angústia desesperada por trás desse gesto, a insuportável
solidão que deve haver nesse silêncio.
— Por que você não me diz seu nome? Está precisando conversar, não é? Por
que não me diz o que quer?
Um clique brusco e a ligação é interrompida. É estranho e frustrante
quando isso acontece, porque sinto medo do que representa, desta pessoa que,
por alguma razão possivelmente assustadora, não quer dizer quem é. Deste alguém
que quer tanto falar comigo, e ao mesmo tempo não confia em mim o bastante para
me oferecer uma única palavra. Tudo isso me dá medo, mas não consigo me livrar
da ideia de que há alguém aos pedaços por trás desses telefonemas. Alguém que
precisa de ajuda.
— Está tudo bem? — pergunta Teo ao voltar para a mesa, parecendo ter sido
alertado por minha expressão desconcertada.
— Sim... Quer dizer, não. Não era quem eu estava esperando.
— E eu posso perguntar quem era? Você parece chateada.
— Eu não sei. A pessoa não falou nada.
— Hum, esquisito. Mas deve ter sido algum engano.
— Não, não foi. Tenho recebido essas ligações há uns meses. A pessoa fica
alguns instantes na linha e depois desliga sem falar nada.
Teo franze o cenho, seu rosto está concentrado no que eu estou contando e
alguma coisa parece incomodá-lo.
— Clara — ele diz, finalmente, depois de ficar calado por um minuto —, você
não pensou em contar isso à polícia?
— O quê?
— Não fique brava, mas como é possível que você não tenha relacionado os
fatos? Sei lá, parece óbvio que uma coisa tem a ver com a outra, que deve ser o
mesmo cara que te atacou naquela noite.
— Bom, eu não pensei... Quer dizer, aquele dia eu não estava com cabeça.
E depois não me lembrei dos telefonemas porque já fazia uns dois meses desde a
última vez.
Era verdade. Eu realmente não tinha relacionado uma coisa com a outra,
por causa do intervalo entre elas. No começo, os telefonemas eram quase
diários, mas depois foram diminuindo de intensidade até eu finalmente não
pensar mais neles. Mas a hipótese que Teo levantava tinha sentido, não tinha? E
mais ainda quando eu pensava na angústia e na solidão que senti naquele dia,
vindas do estranho que nos atacou.
— Eu acho que você tem quer ir à polícia imediatamente. Bem, talvez imediatamente seja um pouco exagerado —
ele se corrige, rindo não muito inocentemente, talvez achando que eu usaria
isso para fugir dele mais uma vez —, mas assim que sair daqui. Se quiser, eu
vou com você.
Sim, talvez eu devesse. Mas então me lembro do estranho encapuzado do meu
sonho, e de como eu disse a ele que queria ajudá-lo, que queria salvá-lo.
Talvez se ele me ligasse de novo... Quem sabe eu poderia tentar descobrir algo
sobre ele.
— Não, pode deixar. Não precisa me acompanhar. Eu irei à polícia, mas não
hoje. Tenho coisas a fazer.
— Você não está me enrolando quanto a isso, está? Por que eu acho que é
algo importante e você parece não estar dando atenção o suficiente.
— Estou dando atenção, sim, claro que estou — respondo, e sou salva pelo
gongo quando a garçonete se aproxima com nossos pratos. — É bom ser servida,
pra variar — digo, tentando desviar a conversa quando a moça se afasta.
— Sim, eu imagino. É como ouvir música que eu não esteja tocando — ele
responde, enquanto começa a comer. — Hum, você tinha razão. Esta comida é boa!
Eu rio de seu jeito de falar com a boca meio cheia, um contraste
descontraído com seus modos de cavalheiro. É tão fácil estar ao lado dele! Flui
tão naturalmente que quase me esqueço...
— Teo? — chamo e ele olha para mim, direto em meus olhos. Eu não tenho
para onde fugir e minha coragem esmaece um pouco, mas, graças a Deus, não o
suficiente. — Eu acho que te devo desculpas.
— Por quê? Por estar fugindo de mim esses dias todos? Não precisa, sabe?
Nós não somos namorados, você não me deve satisfação. Só fico feliz que você
esteja aqui agora.
Ah, por favor! Não faça isso ser
mais difícil do que já é!
— É que... eu estava confusa. Precisei de um tempo para entender meus
sentimentos por você e... Bom, eu gosto muito, muito mesmo de você. — Eu te amo, mesmo te conhecendo tão pouco. —
Mas... não quero... não quero ser sua namorada.
— Okay — ele diz devagar, o olhar me incentivando a continuar.
— Eu não sei se é isso que você quer de mim, mas achei que devia
esclarecer as coisas antes delas se complicarem. Eu não queria me afastar de
você. — Não posso. — Mas vou entender
se você achar melhor. E se mais tarde... Se você precisar de mim, se achar que
podemos ser amigos, eu vou estar esperando.
Teo suspira. Em seguida torce os lábios numa expressão contrariada e
pensativa. Então diz algo que eu não esperava ouvir:
— Você já se sentiu diferente de todo o resto das pessoas? Sem lugar neste
mundo?
Sim, eu quero dizer. Muitas vezes ao longo dos anos. Mas não
dá para explicar a natureza exata de minha solidão agora. Então simplesmente
concordo com a cabeça e deixo que ele continue.
— Eu sabia que sim. Na primeira vez em que te vi, eu soube. Eu também não
sei o que sinto por você, não é nada parecido com como me senti com outras
garotas por quem me interessei. Sempre foi agradável e despretensioso estar com
elas, mas nunca passou disso. Quando estou com você, mesmo que seja só por
alguns momentos, eu sinto que você me entende, que tem um lugar importante em
minha vida.
Ele desliza o braço por cima da mesa, mas não me toca, apenas oferece sua
mão para mim e eu a seguro sem hesitar, porque é um alívio tão grande perceber
que ele não vai me dar as costas e ir embora, que sou incapaz de pensar em
outra coisa.
— Tem alguém em sua vida? Algum outro cara com quem eu deva me preocupar?
Penso no homem de olhos claros, na mistura gostosa de expectativa e medo
que sinto quando me lembro dele. Da fascinação que senti quando ele estava tão
perto de mim, assim como Teo está, segurando minha mão também. Mas não me animo
a mencioná-lo. Nem sei se um dia voltarei a vê-lo.
— Não — respondo, porque não sei o que mais posso dizer, de que maneira
posso explicar o que sinto.
— Então eu só preciso de um tempo ao seu lado. Você me disse que gosta de
mim, que não quer se afastar. E eu sei, não me pergunte como, que você não está
mentindo. Eu posso te conquistar. Se você deixar. Se não me afastar como fez
nos últimos dias. O que me diz?
Não é a solução ideal. Longe disso. Não quero que ele pense que eu
poderia mudar de ideia. Posso não saber o que sinto por ele, mas estou cada vez
mais certa sobre o que não sinto. Além disso, por tudo o que ele me disse,
sobre se identificar comigo e achar que eu o entendo, eu quase poderia apostar
que os sentimentos dele por mim também são de outro tipo. Exatamente como meu
amor por Beto.
Todavia, é a melhor solução a que podemos chegar sem que eu conte a
verdade agora. Ele ficará ao meu lado e não terei que passar pela angústia de
perdê-lo, nem mesmo temporariamente, e eu posso minar suas esperanças amorosas
à medida que puder ir revelando a verdade a nosso respeito.
— Somos amigos, Teo. Fico feliz que ainda seja assim.
— É um bom começo, eu acho. — Ele ainda segura minha mão e afaga as
costas dela com o polegar. Em seguida, a solta e encosta o corpo na cadeira,
sorrindo meio aliviado. — Tentei parecer seguro, mas a verdade é que eu estava
com medo de que você me achasse meio maluco e me dissesse pra ficar longe de
você. — Então ele solta uma risada e bate a mão na testa. — Viu como já estou
adaptado à friend zone? — brinca,
fazendo referência ao termo usado por aí para se referir a alguém que deseja
ter algo a mais com um amigo. — Já estou até te contando coisas que não devia!
Nós dois rimos e eu estou tão feliz e tão leve que nem posso acreditar na
sensação. Então, tento me agarrar a ela, prolongá-la o máximo possível.
— Então me conte mais. Se vamos ser amigos, quero saber mais de você. — E
nem me importo que ele vá fazer perguntas sobre mim em contrapartida. Tenho
experiência o suficiente para desviá-las sem me comprometer.
— O que você quer saber?
— Hum... Você estuda?
— Para desespero de meus pais, não.
— E por quê?
— Porque eu ainda não achei o meu caminho, quero viver coisas diferentes
antes. O que eu ganho nos gigs da
banda e fazendo solo por aí não é tão ruim. Também não é lá grande coisa, mas
dá pra levar. Enquanto isso, eu curto essa parte da minha vida e meus pais
fingem que entendem...
— Fingem?
— Ah — ele suspira. — Meus pais são psicólogos, sabe? Os dois. Eles
trabalharam muitos anos na universidade e acham que faculdade é o único destino
da vida. Então eles fingem que não, mas eu sei que acham que tocar é só um
passatempo enquanto eu não encontro minha vocação. Só que eu acho que música é minha vocação.
— Você canta muito bem.
— Obrigado — ele diz, e sua expressão é de puro orgulho. — É importante
para mim. Meus pais até percebem isso, mas não acho que eles saibam o quanto. E
você? Como são seus pais?
— Hum, não tenho família. Meus pais já morreram. — Os olhos dele se
arregalam e ele diz que sente muito, obviamente constrangido por ter tocado em
um assunto delicado. — Tudo bem — eu o tranquilizo. — Não há muito o que falar
sobre isso. Mas me conte mais sobre sua família, sobre seus pais.
— Ah, sabe o que é legal e que eu nunca te disse? Você e minha irmãzinha
têm o mesmo nome!
— É mesmo?
— Sim. Minha mãe o colocou em homenagem à minha madrinha, porque ela a
ajudou muito quando eu era bebê.
— Então eu sou a terceira Clara na sua vida?
— Pois é. E nem é um nome tão comum. Mas eu nem a conheço, sabe? Essa
Clara que era amiga de minha mãe. Elas perderam contato.
— Que pena!
— Realmente. Devemos muito a ela e eu queria poder agradecer. Se não
fosse por ela e pelo meu pai, nossa vida seria muito diferente.
— Como assim?
— Bom, a Clara, a amiga de minha mãe, cuidou dela durante a gravidez,
porque ela era só uma menina, sem ninguém no mundo. E ela fez tudo isso e ainda
nos deu onde morar.
Isso dispara um alarme em minha cabeça. A história é tão parecida com a
minha que começo a olhar para ele com outros olhos. Eu devia ter percebido
antes. O jeito de olhar, o sorriso tímido, a placidez dos gestos... Começo a
fazer os cálculos mentalmente e não demoro nada a perceber, apesar de meu
cérebro estar entrando em colapso, que é a idade certa.
Mas, não. Simplesmente não é possível. Teo tem um pai. E um outro nome.
Explicaria muito, entretanto. O amor misterioso que senti por ele desde o
instante em que lhe pus os olhos. Mas não pode ser. Teo Peres não pode ser Caio
de Souza.
— Aí, depois, veio meu pai — ele continua, alheio ao caos crescente
dentro de mim. — Ele me adotou quando se casou com a minha mãe. Eu tinha uns
cinco anos e andava atrás dele que nem um carrapato. Era até engraçado. Mas eu
não conseguia evitar. Simplesmente sentia uma espécie de devoção por ele. Até
hoje ele é meu ponto fraco. — Teo ri, o olhar distante e cheio de amor. – Mas é
que ele foi o pai que me escolheu.
— É compreensível... — digo mecanicamente, porque a dúvida me corrói e eu
só tenho forças o suficiente para uma última pergunta. — Teo, quem foi que
escolheu seu nome?
— Ah, essa é uma história engraçada. Na verdade, esse não é meu nome, é
meu apelido, por causa do sobrenome do meu pai, o nome dele é Fernando Teodoro
Peres, mas os amigos dele o chamavam de Teodoro na época em que ele e minha mãe
se casaram. Acho que é porque na turma em que ele andava tinha uns três caras
chamados Fernando. Eu disse pra você que vivia grudado nele e que todo mundo
achava graça nisso, então eles começaram a me chamar de Teozinho e aí pegou.
Mas, por favor, não me chame de Teozinho.
Acho que ele está rindo quando diz essa última parte, mas não estou mais
registrando. Nestas alturas, já não consigo respirar ou raciocinar e o mundo
todo parece girar à minha volta. Concentro todas as minhas energias em
controlar minha respiração e cravo as unhas com toda força nas palmas de minhas
mãos, esperando que a dor aguda me traga um pouco de lucidez.
— Você está bem, Clara? — ele pergunta alarmado.
— Teo — digo numa voz quase ininteligível — Qual é o seu nome?
— Caio — ele responde, parecendo preocupado com meu jeito estranho e com
a lividez que certamente toma conta de meu rosto. — Meu nome é Caio.
Ah. Meu. Deus.
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