sábado, 7 de fevereiro de 2015

Capítulo 15 - ELS

Capítulo 15 – Meu rio

Said goodbye, turned around
And you were gone, gone, gone
Faded into the setting sun,
(…)
I will carry you with me
Till I see you again
I can hear those echoes in the wind at night
Calling me back in time, back to you
In a place far away
Where the water meets the sky
The thought of it makes me smile
You are my tomorrow

(See you again – Carrie Underwood)


 —Você está bem, Clara? — ele insiste, e acho que digo que sim com a cabeça, mas não tenho certeza. Eu me sinto como se estivesse dentro de um carro em alta velocidade, viajando tão rápido que o mundo ao redor parece apenas um borrão e tudo é muito, muito difícil de controlar.
— Só por curiosidade — digo, conseguindo me dominar apenas o suficiente para fazer a pergunta que precisa ser feita —, você me disse o nome de seu pai e de sua irmã. E como se chama sua mãe?
— Marina. O nome da minha mãe é Marina.
— Marina? — digo, ou acho que digo, porque minha voz é pequena e fina como um espinho que passa por minha garganta, me machucando.
— Clara, você está me deixando preocupado. O que você está sentindo? Você está pálida.
O que estou sentindo? Boa pergunta. Olho para ele e vejo como seu sorriso tímido é exatamente igual ao dela, como seus olhos são arrebatadores e gentis como os de sua mãe. Meu Deus. Este é meu Caio. Meu bebê. Nosso bebê. Meu e de Marina.
Ele se inclina sobre a mesa com uma expressão preocupada e toca meu rosto, dizendo alguma coisa sobre eu estar gelada, mas mal posso ouvir quando todas as músicas do mundo resolvem tocar em minha cabeça ao mesmo tempo.
Meu bebê. Meu Caio. Meu anjo. Meu... filho!
Como? Se tudo o que eu conseguia ver quando olhava para ele era Teo, o homem feito por quem achei que estivesse apaixonada? O anjo jovem e vibrante que estava tentando me conquistar? Meu garotinho e esse homem eram a mesma pessoa e eu quase... quase...
Meu estômago reage violentamente ao pensamento, mandando o que estava dentro dele de volta à minha garganta. Saio cambaleando em direção ao banheiro feminino enquanto escuto Teo... Caio chamar meu nome. O som da voz dele sufocado como se eu estivesse embaixo d’água.
Eu deveria estar feliz, mas se isso é felicidade, neste momento ela se parece mais com uma tontura enlouquecedora que não me deixa pensar, o que talvez seja bom. Fico ali, ajoelhada no chão, deixando meu corpo pôr para fora tudo o quanto pode. E quando termino, imensamente grata pelo banheiro estar vazio, sento-me encostada à parede fria, tentando colocar meus pensamentos em ordem.
Meu corpo está me castigando impiedosamente por toda a adrenalina a que eu acabo de submetê-lo, e eu ainda posso sentir o suor frio correndo por meu rosto e o sangue pulsando em meus ouvidos.
Não foi culpa sua. Como você podia saber?
“Eu devia ter percebido. Esse é meu bebê, meu menino. Como eu pude ignorar isso nos olhos dele quando o meu coração o reconheceu desde o primeiro dia?”
Você não está sendo racional.
Não. Não mesmo. Não quando me sinto feliz, surpresa, chocada, exausta... E culpada.
Marina está perto, muito perto, e agora que aquilo que tanto desejei parece tão tangível, tenho medo. É curiosa a sensação de passar uma vida desejando alguma coisa e finalmente tê-la ao seu alcance. Será que posso mesmo tocar esse sonho ou ele vai se desfazer sob meus dedos?
Ao longo dos anos, imaginei milhares de vezes o que eu diria a ela, como explicaria meu desaparecimento, quem eu sou, como nunca deixei de amá-la mesmo que não tenha podido ficar. E às vezes era tudo lindo em minha imaginação. Ela me compreendia como quem lê um livro muito simples e tocante, daqueles que colocam em palavras sentimentos que você achava que desconhecia, mas que sempre estiveram dentro de seu coração.
No entanto, havia outros desfechos possíveis e eu podia imaginá-los todos muito bem. Talvez ela me odiasse por tê-la abandonado. Bem, eu às vezes me odiava por isso. Por não ter tido coragem de abraçar minha humanidade e viver uma vida normal ao lado dela e de Caio.
E, Deus, havia Caio.
Como ela reagiria ao saber que ele era como eu? Que talvez, caso aceitasse, teria uma vida como a minha? E o que pensaria quando soubesse que eu era a mulher por quem ele dizia estar apaixonado? Talvez ele já tenha falado de mim para ela. Talvez ela esteja curiosa. Quem sabe até animada? E então ela saberia.
Meu estômago revolve novamente quando imagino os olhos dela para mim, um brilho de desprezo e indignação por trás de seus cílios longos e negros. Felizmente, não há mais nada a ser expulso do meu corpo, e tudo o que eu posso fazer é desejar que fosse tão simples me livrar da culpa quanto do gosto ruim que ficou em minha boca.
A parte racional que existe em mim, minha mente malcriada, mas lógica e nada complacente, continua repetindo que não devo sentir culpa, porque tudo o que isso faz é criar essas imagens torturantes que são apenas reflexo de mim mesma. Como eu posso ser arrogante o suficiente para pensar que sei como Marina vai se sentir?
De qualquer forma, tudo isso é demais para mim neste momento. É muito. Simplesmente muito. E Caio está lá fora me esperando, provavelmente se sentindo assustado e confuso e eu não quero que ele se sinta assim. Preciso levantar deste chão e encará-lo, nem que seja para lhe dar outra desculpa esfarrapada e correr para casa.
Sim, eu só preciso conseguir fazer isso.
Então eu me levanto e olho no espelho. O que olha de volta para mim parece com qualquer coisa menos comigo mesma. Preciso dar um jeito nisso e me pôr mais apresentável, porque meu menino está lá fora e eu me vejo assaltada por este desejo bobo de que Caio me veja bem, ainda que eu não esteja.
 Enxáguo a boca uma dezena de vezes até me lembrar que tenho pasta e escova de dentes na bolsa. Sorrio um pouco, tolamente satisfeita com o quanto é bom ser mulher e poder andar por aí munida de uma bolsa salvadora que me permite escovar os dentes numa hora como esta. Faço essa boa ação para mim mesma e lavo o rosto. Ainda estou pálida demais, então mordo os lábios e dou beliscões nas bochechas para parecer mais corada, um truque de minha mãe, uma lembrança que me enche de ternura e consola um pouco meu coração. Não estou bonita, eu sei, mas vai ter que servir.
Então, quando me sinto pronta, obrigo minhas pernas a saírem dali e voltarem para nossa mesa, mas nem chego a fazer isso, porque assim que saio do banheiro encontro Caio encostado à parede do corredor, bem ao lado da porta.
— Você está bem agora? — ele pergunta, enquanto segura meu rosto entre suas mãos quentes.
 Eu balanço a cabeça afirmativamente, mas não ouso dizer nada que quebre a magia de estar olhando para ele neste momento. Como ele é lindo! Tão afável, sincero, preocupado. Há apenas bondade em seu olhar. É a primeira vez que o olho e vejo Caio ali. Eu já amava Teo, mas agora é como se os visse se fundirem diante de meus olhos: o garoto que tanto amei no passado e o jovem de agora. E meu amor cresce tanto que mal cabe em mim, quer escorrer através de meus dedos que tocam os dele, como se fosse água em que eu pudesse banhá-lo.
Queria que houvesse uma forma de sermos rios que se cruzam e se misturam e talvez seja, de certa forma, o que somos. Na confluência desses sentimentos, o tempo não faz sentido. Sequer me importo com o passado em que estivemos separados, com todos os momentos que perdi. Sei apenas que quero todos os seus momentos agora e daqui para frente. Quero nunca mais ter que dizer adeus a ele. Tenho vontade de chorar e oferecer-lhe minhas lágrimas como reverência.
— Por que você está me olhando assim? — pergunta ele, me tirando desse quase transe.
Estou te olhando assim porque te amo. Porque você é meu filho, meu mundo perdido e encontrado. Porque você é o rio onde deságuo. Meu rio particular.
Quero abraçá-lo e cobrir-lhe de beijos, sufocá-lo de amor, mas esses carinhos seriam para o meu menino, não posso arriscar que ele os receba como homem, então apenas seguro as mãos dele entre as minhas e as aperto um pouco mais, como se aquele contato pudesse dar-lhe explicações.
Por mais que eu não queira, sinto que devo partir agora. Quanto mais tempo eu ficar ao seu lado estando assim tão vulnerável, maior o risco de denunciar minha emoção diante dele.
— Não é nada — respondo. — Está tudo bem. Mas acho que é melhor eu ir para casa agora.
— Sim, eu imaginei que você ia querer isso. Já paguei a conta. Venha, vou levar você para casa – diz Caio, me puxando pela mão.
— Obrigada. Por pagar a conta, quero dizer. Mas eu vim com meu carro, não posso deixá-lo aqui.
— Não, nem pensar que eu vou te deixar ir sozinha. Você está doente. Vou levar você no seu carro e depois pego um ônibus de volta até aqui para buscar o meu.
Ah, meu lindo príncipe no cavalo branco! Se ao menos você soubesse...
— Tudo bem, não estou doente. Foi só uma queda de pressão, nada mais. Já estou bem para dirigir. Além do mais, o caminho é curto.
— Queda de pressão? Clara! Não precisa ficar com vergonha, eu sei muito bem que não foi só isso. Acho que devíamos reclamar com o gerente. Deve ter sido algo na comida daqui que te fez mal.
— Não! Não faça isso! Eu conheço os donos, são ótimos! Como aqui quase sempre. Não culpe a comida, por favor. A verdade é que eu já não estava bem. Você sabe, também trabalha em bares. Às vezes a gente acaba se descontrolando e comendo demais coisas que não caem bem.
— Ah, Clara. Você precisa ser mais vigilante com sua saúde — ele diz em tom protetor. Não consigo evitar o sorriso diante da ironia de estar levando uma bronca de meu bebê.
E também a de que esse “bebê” é grande como um armário.
— Do que você está rindo? — pergunta ele, percebendo meu sorriso.
— É só que eu tinha dito que nosso segundo encontro não tinha como ser pior que o primeiro — minto. — E agora estou eu aqui, estragando mais um.
— Não diga isso. Você não estragou nada. Ninguém tem culpa de se sentir mal. Além do mais, acho que aquele dia foi bem pior. Tanta coisa podia ter acontecido!
— Sim, eu sei. Mas acabou ficando tudo bem.
— Você não vai sumir depois de hoje como fez depois do nosso outro... “desencontro”? – brinca Caio, fazendo aspas no ar.
— Não, eu prometo.
O que acontece a seguir me deixa sem fôlego. Uma expressão de alívio incontido se estampa no rosto de Caio e ele me puxa para seus braços. E é a coisa mais linda que já senti. Estou mergulhada nele e tudo é... Simplesmente... Plenitude.
Quando ele rompe o contato sinto uma dor quase física, mas sei que isso não é um adeus. Sinto que, finalmente, a felicidade me achou.
— Eu não me esqueci do que você disse — diz ele, parecendo um pouco envergonhado. — Sobre você não querer ser minha namorada e tudo o mais... Só estou feliz porque acredito em você. Sei que você não vai mais fugir de mim.
— Não vou. Eu juro. — Nunca! Nem que me arrancassem tudo o mais na vida, eu ainda ficaria com você. Ainda que tivesse que dar um jeito de me agarrar ao ar ao seu redor. — Posso te pedir uma coisa? — digo hesitante.
— Qualquer coisa.
— Posso te chamar de Caio daqui para frente?
— Tudo bem. Mas por quê? Ninguém me chama assim a não ser minha mãe. Até meu pai e minha irmãzinha me chamam de Teo.
— É só que eu acho um nome bonito. — Porque fui eu que o escolhi para você. — Posso te chamar do mesmo jeito que sua mãe?
— Claro! Acho que ela vai adorar você, porque detesta que ninguém me chame pelo meu nome.
— Imagino — respondo vagamente, quase escutando a voz de Marina em seu tom particular de insatisfação quando estava chateada.
— Você tem certeza de que não quer que eu te leve?
— Tenho. Já estou bem.
— Certo. Vou acreditar porque você parece mesmo bem melhor e... bom, eu já disse que acredito sempre em você.
— Obrigada, Caio. Pode acreditar mesmo que eu estou feliz por ter te encontrado hoje. — E isso quer dizer muito mais coisas do que ele jamais poderia imaginar.
Ele me dá um beijo no rosto durante o qual fecho os olhos, tentando impedir as emoções de transbordarem. Então abre a porta de meu carro para mim e, depois de algumas doces palavras de despedida, dou partida, vendo-o ficar mais distante através do retrovisor.
Esta imagem é simbólica: eu me afastando, aumentando o espaço entre nós e deixando-o para trás. Eu poderia ser impiedosamente torturada por ela se permitisse, mas não quero. Neste momento, a esperança e a alegria que sinto suplantam a culpa e a confusão e transformam a imagem em outra coisa. O amor em meu coração me guia pelo quadro geral e o que eu vejo é algo bem diferente. Vejo uma mulher deixando seus sofrimentos para trás e olhando para frente com o coração repleto, para um amanhã que se desenha cheio de promessas diante de seus olhos.
Eu sei onde ele está, sei quem se tornou e que ele e Marina foram felizes. Sei que tenho um novo controle sobre a distância entre nós e assim ela já não me assusta, porque posso diminuí-la sempre que quiser, agora que o tenho de volta em minha vida. Então, enquanto me encaminho para casa, estou em paz.
As dúvidas não desapareceram, não me esqueci que ainda tenho um longo caminho pela frente no que diz respeito a Caio e Marina. Não me permito ser ingênua quanto a isso. Sei que tenho muito que lutar pelo perdão e pela verdade entre nós, mas não consigo pensar nisso agora. Simplesmente não é possível. Tudo o que posso fazer é deixar meu corpo seguir seu curso e me levar de volta para casa, onde me permito finalmente deixar todas as emoções me invadirem.
E no chuveiro, deixando a água correr por minha pele, eu me sento e abraço meus joelhos, fazendo-me pequena como me sinto diante da intensidade de tudo o que vivi hoje. Mal percebo quando minhas lágrimas se misturam à água, mas, de repente, há muito com que lidar e as lágrimas se tornam ininterruptas, abrindo caminho incessantemente por meu rosto. Sinto muitas coisas: tristeza pelo que perdi, uma nostalgia cortante pelo que podia ter sido, arrependimento, medo, expectativa e um desejo infantil de que tudo pudesse ser como eu queria. Mas, acima de tudo, sinto-me feliz, sedenta pelo futuro.
A vida é sempre esta luta intensa entre o que podia ter sido e o que pode ser, e meu corpo e alma estão exaustos, todas as minhas energias drenadas por essa batalha. No entanto, há um senso de libertação nos soluços que rompem de minha garganta.

Tenho algumas horas para descansar antes de ir para o trabalho e sinto que estou precisando delas. Então me deito em minha cama com os braços em torno de mim mesma, do jeito que faço involuntariamente quando me sinto sozinha ou confusa, mas não penso nisso nem em nada mais. O futuro que me aguarda – seja ele qual for – pode esperar algumas horas. Mal acabo de encostar a cabeça no travesseiro e caio logo num sono profundo e sem sonhos de quem está cansada, mas em paz.

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