Capítulo 25 - Verdade
I'd
take another chance, take a fall
Take
a shot for you
And I
need you like a heart needs a beat
But
it's nothing new - yeah
I
loved you with a fire red
Now
it's turning blue, and you say...
I'm sorry
like an angel
Heaven
let me think was you
But
I'm afraid...
It's
too late to apologize, it's too late
(Apologize – One Republic)
Paty passou boa parte da tarde
comigo. Almoçamos, passeamos com o cachorro, conversamos mais um pouco... E
depois mais um pouco. Sobre todas as coisas insignificantes que nos viessem à
mente. Eu tinha me esquecido de como é a cumplicidade descompromissada que se
cria com alguém, simplesmente quando se aprecia sua companhia.
Há poucas pessoas no mundo com quem
já me senti assim: minha mãe, Beto, Caio e... Marina. Pensar nela ainda faz uma
dor silenciosa ferir meus ouvidos, como um zumbido perturbador numa frequência
que a audição humana não pode discernir.
Não porque eu esteja magoada com
ela. Sempre soube que não seria fácil, sempre soube que doeria. Sua mão contra
meu rosto não pesa mais do que os anos que esperei por ela. E eu não me importo
com minha própria dor. Não o suficiente para fazer de mim mesma vítima de sua
atitude ferida. Ela é como uma gata acuada, sempre foi. Fere quando tem medo.
E é exatamente isso o que dói em
mim. Saber o quanto a magoei.
O meu abandono.
Principalmente quando tudo o que eu
queria era ficar. Especialmente quando o ato de feri-la me abriu como se fosse
o outro gume da mesma lâmina. Cega. Cortando desastrosamente o laço entre nós,
macerando a confiança dela em mim. Eu fui embora. Eu a deixei. Não importa o
meu porquê, não importa que não tenha sido, de fato, uma traição, outra pessoa
em quem ela confiou deixando-a para trás. O que importa é que foi assim que ela
se sentiu. A lembrança que ficou guardada é mais realidade para ela do que a
verdade, a minha verdade, jamais
será. Então, tudo o que me resta é esperar.
Esperar que um dia os olhos dela não
estejam tão machucados que ela não possa enxergar nosso caminho de volta uma
para a outra. Esperar que um dia ela
consiga me perdoar. E talvez, se não for pedir muito, que não demore o bastante
para que minha dor se torne para mim tão importante quanto a dela.
Sinto meus olhos arderem um pouco
com a ameaça de lágrimas quando penso assim, no quanto pode demorar, no quanto
talvez nunca aconteça. Talvez eu me importe... um pouco... ou muito, não
sei, com minha própria dor, no final das
contas. Ainda bem que momentos depois que isso me ocorre, me pego pensando
quando foi que a palavra “nunca” passou a fazer parte de minhas cogitações com
relação a Marina, e fico com vergonha de pensar dessa maneira, de ter tão pouca
fé nela.
Esperar é o mínimo que devo a ela e
é isso que vou fazer, simplesmente respeitar seu tempo e continuar vivendo sem
deixar que a expectativa se instale em mim e corroa minhas emoções. Não estou
fazendo nenhum favor a mim mesma especulando sobre sentimentos que não são
meus. Eu sei exatamente o que sinto por ela, e sei que isso não vai mudar. Ela
é minha irmãzinha, minha menina, minha filha. E eu a amo. É só disso que eu
preciso. Aconteça o que acontecer.
Decido não pensar mais nessas
coisas, porque eu estava bem enquanto minha mente e meu coração estavam
ocupados por Paty, Blue e, principalmente, por ele. Eric. Involuntariamente,
meus dedos correm de volta ao papel guardado em meu bolso como um segredo e, ao
tocar suas palavras, sinto como se estivesse tocando sua pele.
O simples pensamento me aquece e
sinto uma súbita necessidade de mais, de tê-lo por perto de alguma forma, de
manter o calor que me embala. Tendo passado a tarde com Paty, eu nem tentei
ligar de novo, mas agora, enquanto penso no quanto a voz dele ressuscita partes
de mim que eu nem sabia que tinham desaparecido, decido tentar novamente.
Blue abana o rabo em expectativa
quando fareja meu ar de determinação súbita, ele parece sempre curioso em
relação ao próximo passo, seguindo todos os meus movimentos na esperança de que
acabemos na cozinha comendo, mas quando me sento no sofá com o telefone em uma
das mãos, ele simplesmente se senta também e assiste. Com a mão livre,
tamborilo de leve com as pontas dos dedos em sua cabeça de pelos arrepiados,
brincando com as pontas de seu topete de moleque-cão, enquanto minha
determinação começa a falhar um pouco.
Respiro fundo e aperto o redial, mesmo dizendo a mim mesma que
ele deve estar ocupado, que posso agradecer depois, e todas aquelas baboseiras
de que tentamos nos convencer quando não temos mais certeza de uma coisa que
parecia tão necessária momentos antes. Espero ansiosamente até o quinto toque.
Então escuto.
A voz dele.
— Oi — um instante inteiro se passa
enquanto bebo aquele som. É só uma palavra, mas é dita de um jeito que é como
se ele soubesse que estou sedenta. Como se a sede não fosse só minha. — Você
pode esperar um pouquinho?
Estou pronta para responder, para
mentir e dizer que posso esperar o tempo necessário, mas isso não acontece, é
ele quem não espera pela resposta. Ouço sons de vozes abafadas e uma
movimentação, como se ele estivesse tampando o fone com a mão e indo para algum
outro lugar. Então o silêncio se corta com uma versão mais fria e distante
daquela voz:
— Baby, podemos conversar amanhã?
Estou meio ocupado agora.
— Ah, claro. Tudo bem — respondo,
sem conseguir esconder minha decepção. O que mais eu poderia dizer?
Um silêncio constrangido se espalha
entre nós. Apesar do que ele disse, ainda tenho aquele “oi” e não quero
desligar. Aparentemente, ele também não, porque permanecemos na linha.
— Eu só queria agradecer — aproveito
para dizer.
— Ahn?
— Por... — Ontem. Por seus lábios. — Pelo seu presente.
— Certo — ele diz, parecendo se
lembrar, como se hoje de manhã tivesse acontecido em outra vida. Mas sua voz
voltou à suavidade original, ao seu jeito de carícia doce e sedenta. — Você
gostou?
— Muito. Como você sabia o tamanho?
Estou ciente de que estou protelando
com essa pergunta, mas quero adiar o momento da despedida enquanto puder, mesmo
correndo o risco de parecer carente ou inconveniente. Sinto o sorriso em sua
voz quando ele responde.
— Eu conheço seu corpo, baby. Não
tão bem quanto gostaria, mas posso perfeitamente adivinhar. Você já esteve em
meus braços. Apenas pareceu certo.
Sim. Pareceu certo.
Inspire.
Expire. Inspire...
Noto que ele nem perguntou se tinha
mesmo acertado. Ele simplesmente sabe.
Expire...
— Bem, vou desocupar você. Só queria
dizer isso mesmo. Não precisava se incomodar, mas já que o fez, eu adorei o
presente.
— Não foi incômodo. Imaginar você
dentro da jaqueta foi um agrado a mim mesmo, na verdade. Além do mais, a sua
outra ficou arruinada.
— Arruinada!? — provoquei com bom
humor. — Já inventaram um negócio chamado “lavar roupas”. Acho que posso me
beneficiar desse processo e ficar com duas jaquetas, embora a que você me deu
seja mais bonita.
— Engraçadinha! — ele riu. — Até que
eu gosto quando você se mete a atrevida. Faz eu ter vontade de sujar todas as suas roupas... Eu poderia me
beneficiar muito do processo de estar por perto quando você tivesse que
lavá-las.
— Eric!
— O quê? Só porque estamos pegando
leve não quer dizer que eu não possa provocar você.
— Você gosta de me deixar
constrangida, não é?
— Gosto de te deixar vermelha.
— Incorrigível! Esse seu tom! Faz
tudo parecer meio... — Paro um momento, em busca de uma palavra que não
encontro.
— Obsceno? — ele sugere, abusando do
tom de voz que me provoca e me convida a aceitar a ideia.
— Acho que sim.
— Obrigado.
— Não foi um elogio — digo, mas é
claro que estou rindo quando o faço.
— Ah, foi sim. Um dia você vai saber
o quanto.
Céus!
É
estranho e totalmente atípico de mim, mas eu quero que esta conversa continue
por horas. Só para poder ouvir as modulações de sua voz quando fala comigo e
seu riso meio sacana que faz borboletas voarem em meu estômago. Entretanto,
ainda existe um pingo de bom senso em mim e eu me forço a lembrá-lo de que ele
está ocupado com alguma outra coisa.
— Não é que eu queira desligar, mas
você não disse que estava ocupado?
— Feck![1] Eu
tinha até esquecido disso. Você me faz esquecer as coisas que devo fazer, minha
Luz.
Minha. Luz. Minha.
Minha.
Insp...
“Nem
ouse me mandar respirar. Eu quero mais é perder o fôlego!”
Por
sua conta e risco, então.
—
Mas, bem, eu preciso mesmo ir. Nos vemos amanhã?
— Amanhã — respondo, mas minha
vontade é dirigir pela cidade até onde ele está. Seja lá onde for. Felizmente,
não sou uma maluca. Ainda. — Até lá, então.
— Até. — Mas mais uma vez ele não
desliga. — Clara, eu...
Fico esperando, mas ele não completa
a frase.
— Sim, Eric? — incentivo.
— Nada. Fico feliz que você tenha
ligado — ele confessa, parecendo indefeso como se tivesse dado um passo para
fora de sua fortaleza.
É engraçado, mas o rasgo de
sinceridade desse momento faz meu coração tentar escalar minhas costelas em
direção à minha garganta, onde ele começa a bater desenfreadamente. Mesmo
assim, consigo empurrar estas duas palavras para fora.
— Eu também.
Fazemos silêncio por um instante bem
curto.
— Bom. Fico feliz por isso também.
Até amanhã, minha Luz.
Então ele desliga, mas eu ainda fico
segurando o telefone contra meu ouvido. Ainda fico me prendendo às suas
palavras, suspensa no ar entre elas e o corte súbito de nosso contato que,
entretanto, parece continuar vivo e presente para mim.
O telefone fica mudo.
Mas o meu silêncio não.
******
Estou no clima de me presentear com
um jantar bem feito, então, no finzinho da tarde, decido ir até o empório na
esquina de casa e comprar os ingredientes necessários para uma receita chique
que vi num programa de televisão. Há uma música gostosa tocando em minha cabeça
e estou fazendo planos de passar uma noite agradável em minha própria
companhia. Nada muito diferente das minhas noites de folga normais, exceto que
está tudo diferente. De um jeito bom.
A música se interrompe no meio do
verso mais bonito, porque tudo em minha cabeça para quando meu corpo estaca no
meio do movimento de abaixar um pouco o saco de compras a que estou agarrada, a
fim de ver melhor os degraus da entrada do prédio. Meus olhos captam a imagem rapidamente,
quase um relance, mas é o suficiente.
Sentada no degrau mais alto, com os
cotovelos apoiados nos joelhos e a cabeça enterrada nas mãos; o cabelo
castanho, ondulado e brilhante caindo em uma cascata desorganizada por seus
antebraços; está Marina.
Fico parada na calçada sem saber o
que fazer, perdida na visão dela usando jeans, tênis e camisa xadrez,
exatamente como naquela época. Por um segundo, é como se eu tivesse voltado no
tempo, para todas as vezes em que a tinha visto vulnerável: a morte da mãe, o
medo da gravidez, as dificuldades para continuar a estudar... Quando ela
levanta os olhos para mim, olhando-me de cima da pequena escada, ainda está
ali.
Toda a fragilidade daquela menina.
Ainda está ali.
Subo os primeiros degraus, apenas o
suficiente para nossos olhares se encontrarem na mesma altura, ela sentada e eu
de pé diante dela, mas ainda não consigo dizer nada. Estive esperando por ela,
mas não pensei que seria tão rápido. Não pensei em como nunca estaria pronta. O
que, na realidade, não importa mais, porque ela está aqui, com olhos tristes e
ar cansado. Exausto.
— Não consigo mais dormir — ela me
diz, como se soubesse que estou preocupada com as olheiras sob seus olhos. —
Caio me disse onde você morava.
— Venha — respondo, porque se ela
está aqui deve estar querendo conversar.
Ela se levanta e me segue em
silêncio. Tenho a sensação de que ela me observa enquanto não estou olhando,
mas quando estamos sozinhas no elevador, ela não olha para mim. Em vez disso,
começa a examinar o celular depois que se cansa de simplesmente olhar para os
próprios pés.
Enquanto isso, sou eu que a observo.
De pé, fingindo que não está sentindo as coisas que está sentindo, ela parece
bem menos frágil do que quando a vi na escada, instantes antes, e todo seu
jeito de mulher feita começa a achar seu lugar de volta em seus movimentos
elegantes e em sua postura segura. Mas ainda tem o jeito como ela está vestida,
uma versão mais elegante e bem cortada das roupas daquela época.
Eu me lembro.
Fico me perguntando se alguma vez
ela já se deu conta disso. Conscientemente, quero dizer. Mas depois de todos
esses anos, ela ainda me deixa ver o que sente pelas pequenas coisas. Essas
roupas, o olhar arredio, a expressão de “não se aproxime” estampada no rosto
falsamente confiante, toda essa postura de “sou eu contra o mundo”, é o jeito
como ela me pede socorro. É seu jeito inarticulado e involuntário de dizer que
embora queira parecer forte e dona de si, isso está longe de retratar o que ela
sente.
Assim que abro a porta, Blue “voa”
para mim com todo seu entusiasmo de cachorro feliz. Ele a vê logo atrás e
primeiro dá um latido de estranhamento, depois vai cumprimentá-la com o rabo
abanando e a cabeça baixa: “Desculpe pelo latido, moça. Eu não sabia que você
era nossa amiga”.
Marina se abaixa para afagá-lo em
retribuição ao cumprimento. Ela não diz nada, mas sei que está se perguntando
por que ele está tão magro e machucado. Respeito pela vida sempre foi algo que
compartilhamos e ela sabe que eu não deixaria um animal chegar àquele estado.
Sempre discutíamos sobre isso quando morávamos juntas, sobre como agiríamos com
amor e responsabilidade quando tivéssemos um bichinho em nossa casa. Acabou
nunca acontecendo.
— Eu o adotei ontem — explico. — Ele
estava perdido na rua.
— Você sempre recolhendo os
abandonados — ela responde, numa clara referência a como nos conhecemos. Há
mágoa e animosidade em suas palavras e perceber isso dói um pouco. Nada
comparado ao que eu sinto quando ela continua: — Certifique-se de não abandonar
este aqui também. Ele parece precisar de você.
— Marina...
Quero dizer que aquilo não é justo,
que ela era minha família e deixá-la para trás doeu tanto quanto perder minha
mãe, mas que eu não a abandonei, havia uma razão, quero dizer que... Há tantas
coisas a serem ditas, que tudo fica entalado em minha garganta, as palavras
emboladas no nó que se forma ali, no medo de feri-la ainda mais misturado à
certeza de que não posso deixar que ela passe a vida me acusando.
Quero que ela se sinta realmente
melhor, que ao menos comece a entender o que teremos que passar juntas, não que
despeje sua raiva aos meus pés e saia daqui sentindo-se pior do que chegou.
Precisamos conversar honestamente em vez de termos uma reprise da noite de
sábado. Respiro fundo e me preparo para dizer isso, mas ela é mais rápida que
eu em perceber nosso caminho errado e me silencia com a mão estendida num gesto
de rendição.
— Desculpe. Não foi para isso que
vim aqui. É que olhar pra você... simplesmente não é lógico, e isso me tira do
sério. Eu não consigo entender...
— Eu sei que é assim que você se
sente, e sei que precisa descontar sua raiva. Você tem esse direito. Mas nada
vai se resolver enquanto você estiver ocupada em me atacar e eu em me defender.
— Sim, eu sei. Foi o que Fernando me
disse.
Ainda estamos paradas na porta. A
única coisa que fiz foi pôr o saco de compras no chão e Blue está mexendo nele.
Decido levar as compras para a cozinha sem me deter com formalidades.
Simplesmente não consigo me imaginar dizendo a ela: “Sente-se, por favor. Quer
um café?”
De
preferência bem quente para ela jogar na sua cara! O pensamento irônico
escapa pelas frestas, porque esse sempre foi meu jeito de suavizar a tensão que
cresce dentro de mim.
“Comporte-se.”
Repreendo a mim mesma, mas sorrio um pouco, porque funcionou. Estou um pouco
mais calma por agora, só um pouco.
Quando volto, ela já fechou a porta
atrás de si e se sentou na poltrona. Parece que, de algum modo, estamos na
mesma sintonia quanto a essas pequenas coisas. É como se nossa intimidade nunca
tivesse se desfeito. Sento-me no sofá à frente dela e espero por sua reação,
mas ela não vem. Então decido iniciar a conversa da forma mais inocente que
encontro.
— Fernando é seu marido, não? Caio
tem me contado coisas sobre vocês, sobre a sua família. Ele ama o pai.
— Eu também amo. — Por um segundo,
os olhos tristes e confusos dela brilham com a segurança de uma verdade simples
e incontestável.
— Fico feliz por isso — confesso.
Ela sorri.
É tão pouco, apenas um curvar
ligeiro de lábios, tão rápido que se minha atenção não estivesse inteira
voltada para ela eu perderia. Mas não perdi. E é aí que percebo que tudo vai
ficar bem, porque o coração dela não está cheio de dor, ressentimento, mágoa...
Está cheio de amor e boas lembranças. De mim também, tenho certeza.
A filha dela tem o meu nome, afinal.
Isso não me passou despercebido. Minha passagem pela vida dela deve ter
significado mais do que minha partida. Quero falar sobre isso, perguntar por
que minha ausência a feriu tanto se as lembranças boas foram claramente mais
importantes, mas não quero forçar minha sorte. A verdade é que eu sei a
resposta. É claro que sei. Ela me ama. Mesmo depois de muito tempo de meu
suposto abandono, ela ainda deu à sua filha com Fernando o meu nome. Só não é o
tipo de coisa que devo forçá-la a admitir quando ela está com raiva. Ou é?
— O que aconteceu... depois que eu
fui embora?
Você
sofreu? Passou por dificuldades? Me odiou? Algum dia, você me perdoou? Mesmo
que por um tempo, antes de me odiar de novo?
— Depois que você nos abandonou, você quer dizer?
Depois do comentário dela sobre
Blue, eu tinha prometido a mim mesma que de jeito nenhum usaria essa palavra
nesta conversa, não quero trazer a ideia ou admitir algo que não é verdade, que
nunca foi minha intenção. Mas ela continua a trazer isso à tona. Normalmente,
eu diria que essa deveria ser a primeira coisa a ser tirada do caminho, mas é
também a razão de toda sua mágoa. Não vai simplesmente desaparecer do jogo.
Ela não fala nada. Eu não falo nada.
Por um tempo. Mas então, as palavras que saem da minha boca, destinadas a pôr
um fim ao empecilho que não a deixa ouvir, acabam soando surpreendentemente
cruéis, ainda que verdadeiras.
— Eu não sou sua mãe, Marina. Ela abandonou você, mesmo estando fisicamente
presente enquanto você crescia. Eu só fui embora. Apenas porque não pude mais
ficar.
— O que você quer dizer com isso?
Que não tinha nenhuma responsabilidade sobre mim? Que minha confiança e meu
amor foram um fardo que você não precisava ter carregado?
Posso ver o esforço que ela está
fazendo para não gritar comigo, para manter-se racional quando tudo o que quer
é jogar a raiva aos nossos pés como cobras peçonhentas, rastejando de dentro
dela para toda parte. Em lugar disso, entretanto, ela respira fundo, os lábios
contraídos e as narinas infladas dando lugar a uma expressão mais serena.
— Eu sei disso, mas... Nunca ninguém
tinha cuidado de mim. Nunca ninguém se importou de verdade. E eu pensei que...
Pensei que com você era diferente. — A voz dela é pouco mais que um sussurro
embargado agora, e ela não olha para mim quando diz baixinho: — Eu te amava.
No instante seguinte, estou
ajoelhada aos pés dela, procurando seus olhos e tentando segurar suas mãos. Ela
permite que eu faça isso, e olha para mim esperando. O ruído em meus ouvidos
está tão alto que mal consigo ouvir minha própria voz. Não faz diferença, de
qualquer jeito. É a verdade que escorreria de mim ainda que subitamente o mundo
estivesse desprovido de qualquer linguagem. É a realidade que me constitui.
— Eu amo você, Marina. Não sou sua
mãe, mas queria ter sido. Por favor, por favor, me perdoe.
A matéria de que somos feitas parece
ceder ao nosso redor e perder importância. De repente, tudo o que resta são
emoções que confluem. Tudo é uma sequência de imagens que capto apenas com a
imprecisão vaga com que se toma consciência de movimentos que precisamos fazer,
como pôr um pé na frente do outro ao andar.
Olhos que se enchem de lágrimas. Os
dela. Os meus. Sentimentos que escorrem e desabam pela pele. Pele que se toca
num abraço encolhido. Desesperado. Dois corpos que são apenas um apelo cansado
no chão de um apartamento pequeno. Eu, minha filha, um cachorrinho que olha sem
entender. Um universo inteiro entre nós.
— Eu ainda não entendo — ela diz.
Estamos perto, mas a distância entre
nós persiste. Persistirá enquanto ela estiver confusa como agora. Sentimentos
tão embaralhados que mal consigo vê-los através dos meus próprios. Todas as
cores estão ao nosso redor.
— Eu quero explicar.
Ela se afasta de mim e meus braços
se sentem vazios, como se eu tivesse carregado alguma coisa por muito tempo,
por muitos quilômetros, e então não carregasse mais. É um alívio. E é também um
vazio que dói. A distância entre nós volta a ficar um pouco maior.
— Eu não sei se consigo. Não tenho
certeza se quero entender. Odiar você é mais fácil.
Talvez ela tenha razão. Não sei.
Amar pode ser doloroso às vezes. Como agora.
— Não sei como responder a isso,
Marina. Eu só quero que você fique bem, mas você não me parece assim. Você
parecia aquela menina assustada de vinte anos atrás quando te encontrei lá
fora.
— Você não me deu tempo de
agradecer. Eu sempre achei que teria tempo, que poderia fazer isso todos os
dias. Qualquer dia. Mas nunca fiz. E aí você foi embora.
Desde que nos reencontramos no
sábado, nossa conversa tem sido assim, desconexa. Cheia de respostas a
perguntas que não foram feitas, mas que flutuam pelo ar, cada uma delas
carregada pela nossa dor até o outro lado do rio, aquele onde estamos paradas,
cada uma em uma margem. Como se, de alguma forma, a Marina de antes, daquele
dia quando ela acordou sozinha na casa que eu tinha tornado dela, estivesse
falando com a Clara de hoje. A Clara que, para ela, continua a mesma.
É de se admirar que ela ainda não
tenha fugido de toda essa loucura.
Estamos sentadas no chão, de frente
uma para a outra, Marina com as costas apoiadas no assento da poltrona onde
estivera sentada e eu com Blue tentando subir em meu colo, em minhas pernas
cruzadas como as de alguém que medita. Coloco-o no chão e me levanto estendendo
a ela minha mão. Levo-a até a mesa da cozinha, onde ela se senta enquanto
preparo o chá de que ela aprendeu a gostar naquela época. A bebida de minha mãe
para conversas sérias.
— Estar com você e com Caio foi a
época mais feliz de minha vida. Você não precisa agradecer.
— É estranho olhar pra você. Parece
a mesma pessoa e eu me sinto como naquele primeiro dia, tentando entender o que
estou fazendo aqui, o que você pretende. É desconcertante. Eu sempre pensei em
você como minha irmã mais velha, e agora eu pareço mais velha que você.
— Também não é fácil para mim. Mas
você se acostuma... — Percebo que estou falando como se ela já tivesse aceitado
tudo isso. Como se estivesse definitivamente de volta em minha vida. É isso que
eu quero, mas jamais seria capaz de impor minha presença a ela. Então retifico:
— Se quiser.
Eu fico meio que esperando que ela
diga que sim, que quer se acostumar, mas ela não diz nada. Repreendo-me
mentalmente, forçando meu coração a aceitar que já é bom o suficiente que ela
esteja aqui, que esteja me escutando em vez de simplesmente ir embora, mas
ultimamente tem sido difícil impedir a mim mesma de querer mais da vida. Tudo
está acontecendo ao mesmo tempo e eu sinto como se não tivesse mais nenhuma
barreira entre eu e o mundo, entre eu e o amor que posso ter. Exceto que as
barreiras continuam existindo. Ao menos aquelas que não dependem de mim.
— Se você era nosso anjo da guarda,
por que... por que precisou ir
embora?
A pergunta súbita não me impede de
perceber que ela escolheu as palavras dessa vez. Não usou a palavra terrível
que vem pesando entre nós. Abandono. Aos poucos, sinto que estamos pisando nos
lugares certos.
— Eu não sou um anjo da guarda,
Marina. — Ela olha para mim, confusa, mas não pergunta nada. Apenas espera que
eu continue. E é isso que faço. — Sou o estranho que, depois de você perder o
ônibus, se oferece para pagar seu táxi e garantir que você chegue na hora para
a entrevista de emprego que definirá sua vida. Ou aquela pessoa que garante que
você vá à festa onde vai conhecer o amor. Basicamente, qualquer pessoa que te
estende a mão num momento inesperado, parecendo saber de coisas que você não
sabe e garantindo que você não as perca.
— Mas... solidariedade, compaixão,
acasos fortuitos... Os seres humanos fazem isso uns pelos outros. Talvez não
seja comum, mas felizmente não é impossível encontrar estranhos gentis por aí.
— Felizmente, não. Mas às vezes, por
questão de segundos, talvez por causa se uma atitude impensada, fruto apenas do
acaso e não reflexo do exercício do livre arbítrio, uma janela de oportunidades
se fecha e a história muda para pior. Deus não interfere nas decisões que são
produto do livre arbítrio, e a trama dos acontecimentos que ligam os seres
humanos é respeitada e admirada, mas às vezes essa trama se rasga. Pequenas
rupturas que parecem insignificantes a princípio, mas que desencadearão uma
onda se mudanças avassaladoras com resultados críticos. É a teoria do efeito
borboleta. Em tese, mudanças não são boas ou ruins, são apenas o desenrolar das
coisas, e bom ou ruim é apenas uma questão de ponto de vista. Mas, na prática,
sabemos que os resultados delas podem prejudicar a raça humana muito mais do
que beneficiar. Algumas dessas mudanças podem ser paradas a tempo, sem
prejudicar o direito ao livre arbítrio. É para isso que existimos.
— Existimos? No plural?
— Sim, há alguns de nós por aí, mas
eu não sei ao certo quantos.
— Como é que você não sabe? Se
conhece tudo isso, se entende as consequências do efeito borboleta sobre a
trama dos destinos humanos, como não sabe quantos de vocês andam por aí?
— Porque eu não sei de tudo isso, na
verdade. O quadro geral pertence ao Todo Poderoso. Só Ele é onisciente e
onipresente no tempo, só Ele sabe o que pode ou não ser mudado. Nós somos
apenas operários, executamos as pequenas missões que se tornam grandes para
Ele.
— Como vocês sabem o que precisam
fazer? — ela continua. — Deus fala com vocês?
— Não como você está pensando, mas
sim. De certa forma. Nós sentimos, simplesmente sabemos o que temos que fazer.
Marina ouve tudo com uma expressão
cuidadosamente neutra, provavelmente desenvolvida em seu trabalho como
psicóloga. O tom impassível de sua voz quando ela faz suas perguntas não revela
nenhum julgamento. Ela apenas me escuta de forma distanciada, como se eu
estivesse contando a ela a história de um filme no qual ela não está
particularmente interessada.
Não me importo com isso, porém.
Provavelmente é melhor assim. A alternativa à expressão neutra em seu rosto
certamente seria um olhar que me faria sentir como alguma coisa saída
diretamente de um episódio de Arquivo X.[2]
— Vocês simplesmente sabem. Entendi.
— Ela fica em silêncio novamente, por um minuto ou dois, acho, pensando. — Bom,
não. Na verdade, eu não entendi. Isso não faz o menor sentido.
— É algo como o que vocês chamam de
intuição, aquela sensação que optam muitas vezes por ignorar. Nós não a
ignoramos, não duvidamos. Nós ouvimos.
— Mas como vocês sabem que essa... intuição está correta? O motivo para
ignorarmos esse tipo de sensação é que muitas vezes ela está errada.
— Não há nada de errado com ela, e
sim com a maneira como vocês a interpretam. Vocês tendem a distorcer tudo a seu
favor, e sempre ficam na defensiva em relação a qualquer coisa que não lhes
pareça passível de uma explicação nos seus moldes. — Como olhar para uma pessoa cuja aparência é exatamente a mesma de 20
anos atrás, e ainda assim duvidar quando ela dá um explicação que foge do que
você imaginou possível. — Mas nós não temos motivos para duvidar, sabemos o
que somos.
— Anjos? — ela pergunta com um tom
ofensivamente incrédulo e ligeiramente debochado.
— Na verdade, esse não é um nome
muito preciso, porque nascemos humanos e também podemos morrer, Então somos mais
como... hum... Enviados Especiais seria uma boa definição. Mas estamos
habituados a ser chamados de Anjos, nossas famílias costumam gostar mais dessa
palavra por alguma razão. Acho que nos faz parecer mais singulares ou algo
assim.
— Vocês nascem humanos!? Então
como... quando... como tudo começa?
Ela está nitidamente desconfortável,
remexendo-se na cadeira e engolindo em seco quando faz essa pergunta. Durante
nossa conversa cheguei a pensar que a confusão de emoções daquele dia a tivesse
impedido de processar o que eu disse sobre Caio. Aparentemente, eu estava
errada e ela estava cultivando algum tipo de esperança de que eu tivesse
mentido em relação a ele.
— Eu sempre soube, embora tenha
precisado de um amigo, um mentor, para me ajudar a entender melhor. Mas outros
demoram a entender. O mentor tem que agir com paciência nesses casos, porque é
mais difícil para um adulto com ideias formadas aceitar que é diferente, mesmo
que ele sempre tenha se sentido assim.
Fico esperando pela reação dela. O
silêncio se prolonga.
— O que vai acontecer com ele? — ela
pergunta baixinho.
Várias emoções passaram por seu
rosto enquanto esteve em silêncio, analisando os fatos, mas a que finalmente se
fixa me faz ficar com pena. Sua expressão se torna algo entre confusa e
torturadamente preocupada, como se eu tivesse dito que, a partir de amanhã,
Caio vai começar a andar por aí com duas cabeças e três braços de cada lado.
De onde estou, do lado oposto da
mesa, afasto nossas xícaras delicadamente e me inclino em direção a ela,
segurando suas mãos. Tento falar num tom claro, calmo e conciliatório.
— Vai depender dele. Quando estiver
pronto, ele saberá a verdade sobre nós. Eu me encarregarei de contar a ele, mas
você pode estar junto se quiser. Então ele vai poder decidir entre ser como eu,
e nesse caso eu o ajudarei a se estabelecer, ou continuar sendo humano.
— Ele pode dizer não? — ela
pergunta, genuinamente surpresa.
— É claro que pode. Todos têm livre
arbítrio, esqueceu? E mesmo que ele aceite, pode desistir e voltar a ser como
antes a qualquer hora.
— Você quis dizer não quando ainda
era humana? Você já quis desistir algum dia?
Há tantas expectativas
contraditórias nessa pergunta. Sei que ela quer que eu diga que Caio não
precisará passar por nada disso, porque por enquanto para ela está parecendo
algo bem mais ruim do que bom, mas a verdade é que eu não posso falar por ele.
Tento explicar da melhor maneira possível como eu me senti, mas cada história é
única e a de Caio ainda pertence ao futuro.
— Para mim foi diferente. Eu já
tinha aceitado o que era antes de entender as implicações disso, já sabia desde
sempre, embora não soubesse explicar até que Alberto, meu mentor, apareceu em
minha vida. Eu tinha 16 anos, tinha acabado de perder meu pai, minha mãe e eu
estávamos nos sentindo sozinhas e sem propósito, porque naquela época não havia
muitos papeis sociais que uma mulher pudesse cumprir. Quando entendemos o que
eu era foi maravilhoso! Foi como encontrar um caminho iluminado por milhares de
estrelas. Eu nunca vi isso tudo como algo ruim. Não é o caminho de estrelas, eu
vim a descobrir, há sofrimentos como em qualquer escolha, mas é o meu caminho e eu sou feliz andando por
ele. Mesmo assim, eu quis desistir uma única vez, por sua causa. Para ficar com
você e com Caio. Mas eu não consegui. Quando se tem algo como a capacidade de
cumprir a vontade de Deus com uma clareza que independe de seus esforços, é difícil
de se abrir mão. Eu simplesmente não estava pronta.
— Mas você poderia ter continuado
sendo o que era e ficado ao nosso lado mesmo assim.
— Cedo ou tarde vocês notariam que
eu não envelheço. Eu teria que contar a verdade e isso influenciaria as
decisões futuras de Caio.
— Por que você não envelhece? Você é
imortal?
— É mais fácil cumprir nossa missão
se nossos corpos estiverem sadios e fortes. Podemos servir melhor e por mais
tempo, por quanto tempo desejarmos. Embora eu não tenha certeza, porque, bom,
não é como se houvesse um Registro Geral de Anjos – brinco, e ela ri um
pouquinho, o que me deixa feliz —, acho que não há muitos de nós por aí. Então
eu suponho que exista uma relação entre isso e o fato de que quando um de nós
aceita sua missão, acaba desejando ficar por mais tempo do que um corpo humano
permitiria. Mas, não, não somos imortais. Somos imunes a doenças fatais, mas
não a acidentes ou violência. Felizmente, nossa “intuição” nos protege dessas
coisas, mas não somos invulneráveis a elas.
— Se nada disso acontecer,
entretanto, vocês nunca morrem?
— Todos nós acabamos pedindo por uma
vida normal depois de um tempo. Então morremos como todo mundo.
— Por quê? — ela pergunta — Se vocês
podem, virtualmente, viver para sempre? Quem não ia querer isso?
Marina parece eufórica agora. Minha
mãe também ficou assim quando percebeu que nunca precisaria se preocupar em ver
a filha numa cama de hospital ou sob uma lápide. Acho que, de uma forma um
pouco distorcida, esse é o sonho de toda mãe.
— É doloroso ver todos que você ama
partindo. Sem a esperança de que vai encontrá-los logo, mesmo que “logo” pareça
meio longe, a dor seria paralisante e insuperável.
Sinto-me culpada quando percebo que
derrubei um imenso balde de água fria em seu entusiasmo, justo quando ela
parecia estar vendo o lado bom da coisa. Mas a verdade é a verdade. E para mim
se tornou quase fisicamente impossível mentir para Marina depois de começar a
contá-la. Acho que as palavras nem sequer se formariam em minha boca se eu
tentasse.
— Eu não tinha pensado nisso — ela
diz, desanimada. — Ele não vai poder ter filhos, uma esposa, envelhecer com ela...
Não enquanto for um anjo, não é?
— Não há regras quanto a isso. Mas
quando aceitamos nossa missão, passamos a ver o amor de uma forma mais ampla do
que o amor romântico exige. A preocupação com uma família não o impede de ser
abnegado e fazer o bem ao próximo, mas as prioridades se transformam. Então,
quem se apaixona geralmente opta por se tornar humano novamente.
— Isso é tudo muito confuso! — ela
choraminga, enterrando a cabeça nas mãos. — Eu não consigo me imaginar
explicando essas coisas a Fernando e... Ah, Deus! Como vamos contar ao Caio?
— Para ele vai ser mais fácil.
Porque, de certa forma, ele já sabe que tem algo diferente. Todos sabemos.
— Mas por que ele não entende como
você?
— Algumas pessoas são mais apegadas
à própria humanidade do que outras.
— E eu queria poder me apegar à
minha para não sair por aí chutando tudo o que encontro pelo caminho, como
quero fazer. — Ela se levanta de repente, com gestos inquietos e o rosto
contorcido numa expressão que é resultado dos sentimentos mais caóticos que já
devem ter passado por seu coração. — Acho que por hoje já chega. Eu preciso ir
para casa.
Não digo nada enquanto a acompanho
pela sala e a vejo pegar a bolsa atirada no sofá e abrir a porta sem esperar
pela minha cortesia. Mas ela para sob o batente, de costas para mim, os ombros
curvados em uma postura de exaustão derrotada. Não quero perguntar, mas não
consigo deixá-la partir sem saber. Eu pedi perdão, na carta que deixei há
muitos anos; em minha mente, em cada dia que vivi; e hoje. Mas ela nunca me
respondeu.
— E nós, como ficamos? — indago
finalmente.
Ela se vira novamente e me encara,
seu olhar de dor perpassa meu corpo como uma flecha, mas eu não posso mais
cair. Tenho que esperar pela resposta com a dignidade que ela merece.
— Eu inventei desculpas pra você —
ela diz, mas, de novo, não olha para mim quando o faz. Dói que seja tão difícil
me olhar nos olhos, mas esse sempre foi o jeito dela, então tento não me
importar. — Um ex-marido abusivo do qual você estava fugindo — ela continua. —
Algum tipo de Programa de Proteção a Testemunhas. Até mesmo um trabalho secreto
para o Governo. — Um riso sem humor escapa de seus lábios, mas eu continuo
controlada, ouvindo, porque este é um momento mais sério do que a morte para
mim. — Eu parecia uma criança tentando acreditar nessas coisas, porque
precisava crer nas suas palavras, de que me amava, de que ia voltar. Eu nunca
imaginei algo assim, no entanto. Você não me abandonou, mas, no fim, não faz
tanta diferença, porque eu sofri como se você tivesse feito isso. E é tarde
para perdão, porque eu nem sequer posso culpá-la, não posso odiá-la pelo
sofrimento que me causou. Mas saber a verdade muda tudo. Permite começar de
novo. Eu só preciso de tempo.
— Tudo bem — digo. — Eu amo você.
Ela sorri ao me olhar uma última vez
antes de ir embora. Ainda está ali quando ela acena e parte sem olhar para
trás. De ombros retos e cabeça erguida.
[1]
Forma mais polida de dizer “fuck” no inglês da Irlanda.
[2] The
X-Files (Arquivo X no Brasil) foi uma série de televisão norte-americana de
ficção científica exibida ao longo dos anos 1990 e criada por Chris Carter. Os
enredos sempre envolviam situações e criaturas fora do comum, para não dizer
bizarras.
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