Capítulo Bônus
Paralelo ao capítulo 27 - Jogos de Paixão
por Eric
I will save
You from yourself
Time will change
Everything about this hell
Are you lost?
Can't find yourself
You're north of heaven
Maybe somewhere
West of hell
(Birth – 30 Seconds To Mars)
Estou acostumado à raiva. Ela me
mantém vivo, corre no meu sangue e me move adiante. É assim que sobrevivo. É o
tipo de coisa desprezível que sou.
Não me importo e nem me surpreendo
quando a ira borbulha dentro de mim, mesmo que eu a venha mantendo escondida,
como se pudesse ser o “menino bonzinho” que ela deseja. Talvez até por isso.
Eu não sou o que ela quer, não sou o
que ela pensa. Mas eu a desejo.
Estranhamente. Com todas as minhas forças. E esse é o tipo de coisa que me faz
querer quebrar meus próprios ossos contra a parede. Ou os de alguém. Como os
desse pulso frágil que seguro entre meus dedos. O impulso é quase tão cortante
quanto o desejo que sinto de levá-lo aos lábios e beijar a pele quente e macia
desta mulher que me perturba. Cada centímetro dela. E depois...
Tenho vontade de machucar alguém.
Mas não o faço. Tenho vontade de possuir esta mulher até que não reste mais
nada entre nós para queimar no fogo desse sentimento desconhecido. Mas apenas
espero que ela não me odeie. Tenho vontade de ser o tipo de homem que merece
ser olhado como ela me olha. Mas sei que não há coisas boas reservadas para mim
nesta Terra. Essa é a história da minha vida e estou acostumado com ela.
Quando tudo o que você é não
significa nada para ninguém, você acaba se acostumando com a ideia. Como uma
dor crônica que você aprende a ignorar.
Mas então ela surge e faz a dor ir
embora. E quando ela não está por perto, eu finalmente me lembro do quanto
machuca. Sentir. Quase a odeio por isso. Por transtornar o que é natural em
mim, por me transformar em algo novo com que sou obrigado a lidar. Ela não faz
ideia, mas já me venceu. Derrotou-me
numa batalha que nem sabe que existe e não precisou fazer nada para isso,
apenas me olhou como se eu merecesse.
Eu a odeio por isso. Odeio porque a
amo e isso é ridículo.
Ela vai embora quando perceber o
quanto tudo isso é patético, mas ainda terá tudo o que é quando não sobrar nada
de mim. Porque não sou nada. Meios para um fim. Uma coisa amaldiçoada. Uma
sombra trágica sob uma luz que não é para mim.
Sei que é o que vai acontecer.
Eventualmente. Mas simplesmente não consigo deixar que seja hoje. Preciso dela.
Sem sua força não posso controlar a minha. E tudo isto, transtornar sua
existência tranquila, colocá-la em perigo, deixar com que nossas almas se
enredem de forma irremediável para nós dois, seria inútil se eu a deixasse
partir agora.
Mas essa não é a razão pela qual meu
corpo estala em medo, cólera e dor quando ela me dá as costas, consumida por
uma insegurança que ela nem imagina o quão absurda.
Eu a fiz sofrer hoje. Depois me
escondi, como o tipo de homem deplorável que tem medo de enfrentar a verdade
por trás das ilusões dos outros. Não pude lidar com a raiva dela, não pude
aceitar aquele velho sentimento que era tão novo naqueles olhos, e isso só
piorou as coisas. Para nós dois.
Sinto o amor em seu peito se
contrair em uma bola de fúria silenciosa que ela me devolve através de seus
olhos grandes e magoados e de seu patético ataque infantil. Tenho vontade de rir
de sua tentativa pálida de ser combativa, de lidar com sentimentos com que,
certamente, não está acostumada. Quase fico satisfeito com isso, com a forma
como ela está provando de seu próprio remédio.
Tenho vontade de rir, mas não o
faço. Não há nada de engraçado em sentir quando ela sofre. Não de verdade. Não
quando sei que seu amor ferido é uma ilusão, e isso só faz com que machuque
mais.
Eu sei o que quero dela, mas ela não
sabe o que quer de mim e, no fim das contas, toda a frustração que ela me dirige
se resume a isso: o que, afinal, estamos fazendo aqui?
Bem, eu sei o que eu gostaria que estivéssemos fazendo aqui.
Não posso evitar que meu corpo se
transforme na prisão por que ela anseia. Sinto a excitação e o medo do
desconhecido que emanam dela quando a fecho em meus braços, exigindo uma
resposta.
— O quê. Você. Quer. De mim?
Não estou sozinho aqui. Meu corpo
não está sozinho. Ela está nisso tão intensamente quanto eu. Sinto sua pele se
arrepiar em resposta à minha língua que prova seu gosto. Muito levemente.
Sinto as mãos dela me acariciarem.
Parece ousado para ela, embora eu saiba o quanto ela quer. Em algum ponto entre
tocá-la e ser tocado com tanto cuidado, começo a achar verdadeiramente
excitante a ideia de torturá-la, puni-la por sua hesitação. Corro meus lábios
pela pele macia de seu pescoço e sinto sua pulsação se acelerar sob meus dedos.
— Não quero ser sua dona, Eric — ela
diz. E como se sua voz baixa e entrecortada pelo desejo não fosse o suficiente
para me cegar, as palavras são tão certas quanto seu cheiro doce e delicado
invadindo minhas narinas.
Tudo nela soa certo. Exato.
Perfeito.
— Resposta certa, baby — sussurro
contra sua pele.
Ela se encolhe quando minha
respiração quente toca um ponto sensível que estive beijando e isso me faz
querer mais. Meus dentes se fecham na curva de seu pescoço porque quero sua
pele para mim. Quero estar em toda parte e senti-la em cada centímetro dentro e
fora de mim.
Um puxão fraco em meus cabelos vem a
tempo de me impedir de cometer alguma loucura, mas ao me obrigar a olhá-la, tão
frágil entre meus braços, tão à mercê desse desejo que não é só meu, ela apenas
torna tudo ainda melhor.
Se quiser ir devagar, ela vai ter
que me parar. E algo me diz que vai ser tão difícil para ela quanto para mim.
Quando a beijo, seus lábios não são
a única coisa que toco. Seus sentimentos estão desnudados diante de mim, posso
acessá-los com minha própria fome, sentir a força deles como se houvesse muito
mais do que pele sob meus dedos. Com outras, nunca foi mais do que desejo para
mim, mas agora posso sentir o amor dela me envolver. Com Clara tudo é
diferente.
Não me importa que isso vá
desaparecer. Não me importa que isso seja uma ilusão. É o que eu quero agora. E
eu posso ter o que quero. Posso, porque ela também quer.
Seu corpo trêmulo não está mais
inteiramente à minha mercê e seus desejos têm vida própria neste ponto, seus
lábios têm sua própria fome para saciar. Quando se desgrudam dos meus, só por
um momento, eu os quero de volta, e minha boca faz o contorno sutil de seu
maxilar enquanto ela se esforça por deixar as palavras escaparem contra minha
pele.
— Eu quero você, Eric.
— Também quero você — respondo, uma
confirmação pálida daquilo que meu corpo vem gritando.
Ouvi-la dizer que me quer é o
suficiente para mim. É a permissão pela qual eu não tinha percebido o quanto
estive esperando. Meus olhos reivindicam a visão de seu corpo e meus dedos
tentam se livrar de sua blusa. Subitamente, ela me impede, interrompendo o
curso de minhas mãos para dizer alguma coisa à qual dou pouca atenção.
A raiva que a frustração me desperta
poderia ser incontrolável nesse ponto, se meus olhos não estivessem bem
abertos. Se todos os meus sentidos não estivessem perfeitamente cientes de que
é Clara quem está me conduzindo aqui. Que ela é mais importante do que todos os
meus desejos e a consciência deles. É só então que finalmente registro suas
palavras.
— Você não está entendendo. Não
quero ser sua dona, porque quero que você escolha
ficar comigo. Quero seu coração, mas só se você me der.
Ela...
O quê?
Por um milésimo de segundo acho que
ela está brincando comigo. Escolhas não me são oferecidas tanto quanto são
tiradas. Isso simplesmente não é o tipo de coisa que acontece comigo. Não sou
alguém que se possa querer dessa maneira.
— Eu quero você, Eric. Quero você do
jeito que é, quero o que quiser me dar. É essa a resposta para a sua pergunta.
Quero seu coração.
Como se soubesse o que sinto, Clara
reafirma suas palavras, e uma parte de mim finalmente consegue acreditar. Eu sinto a verdade. O que não torna as
coisas mais simples. Não posso permitir que ela se vá, mas sei o quanto é cruel
desejar tanto que ela fique. Ela crê no que diz com uma fé cega que não posso
permitir.
— Você não sabe o que está dizendo. Quando
você souber, vai mudar de ideia.
E
será melhor assim para você.
— Então me diga onde estou me
metendo. Deixe que eu decida por mim mesma. Não vou te deixar. Eu juro.
Tentar não acreditar nisso é a coisa
mais difícil que já fiz desde que a conheci, desde que percebi que o fim óbvio
e imediato de minha dor só ia dar início a outra maior. Desde que percebi que
ela era, de fato, minha Luz. Minha única luz neste mundo.
Então, de repente, me canso de
lutar.
Você pode passar a vida toda
desejando algo. Até o dia em que simplesmente para de querer qualquer coisa.
Até o dia em que sua vontade morre e você se torna uma casca de prazeres
superficiais, apenas um invólucro duro o suficiente para não se quebrar. Você
pode se acostumar com isso e achar que pode sobreviver bem assim. Mas nunca
estará preparado para o dia em que proteger a si mesmo deixa de ser o mais
importante.
Estou cansado de ser aquele que não
se permite quebrar. Estou cansado de proteger o nada dentro de mim. Se eu
deixar que meu coração se parta, talvez encontre algo ainda vivo lá dentro.
Então me deixo ir.
O corpo dela se aperta contra o meu.
Um gemido baixo escapa de sua garganta e ressoa dentro de mim, incendiando tudo em seu caminho.
Mas o que acontece aqui é mais do que isso. Ela é muito mais do que alguém para
aplacar o meu desejo. O que está me dando é muito mais do que jamais me foi
oferecido.
Ela confia em mim. E eu seria menos
do que nada se me aproveitasse disso. Mesmo que seja o que se espera de mim. For fuck’s sake![1] É
o que me propus a fazer. Conquistar sua confiança, conseguir o que quero e
deixar tudo para trás sem me importar com o estrago que possa ter feito.
— Não posso fazer isso — digo,
afastando-a um pouco de mim, embora sua mera presença no mesmo cômodo que eu
seja suficiente para me fazer mudar de ideia a qualquer hora.
Meu corpo todo protesta num
desespero mudo quando o privo de ser aplacado. Mas, embora tê-la neste momento
seja tudo o que mais quero, não posso fazer isso ao preço de transformar o que
ela está me oferecendo em nada. Se alguma vez acreditei que conseguiria
realmente trair sua confiança, depois de hoje seria repulsivamente ingênuo
continuar me enganando.
Ela se sente rejeitada quando me
afasto. Posso perceber isso com a mesma facilidade de sempre. Não me
incomodaria se fosse com outra pessoa, mas não suporto a ideia de que justo ela se sinta assim, então eu a beijo
suavemente, apenas o suficiente para não iniciar a ignição que mal consegui
evitar. Estendo meus dedos e toco seu rosto, venerando a compaixão em seus olhos
e o desejo intenso sob sua pele.
Ela precisa da verdade. Ao me dar
uma escolha, ela ganhou o direito de escolher também. Mas não posso mentir para
mim mesmo. Eu não a quero somente se ela quiser ficar, eu a quero de qualquer
maneira, a qualquer custo, mesmo sob o risco de deixar este poder me consumir.
O único risco que não posso correr é que ela não me perdoe. Estou penhorando
minha vida numa promessa de sinceridade que não sei se consigo cumprir.
— Não posso fazer isso enquanto você
não me conhecer de verdade. Preciso te dar o mesmo direito de escolha que você
está me dando, mas não posso fazer isso agora. —
Você não acredita em mim quando digo que vou ficar ao seu lado, não importa
qual seja a verdade que se recusa a me contar? Eu conheço a natureza das
pessoas, Eric. Sei que você vale mais do que esta ideia terrível que tem de si
mesmo. Sei que você é melhor do que imagina.
Quantas vezes ela vai me dizer isso
antes de se convencer do contrário? E, de qualquer jeito, a possibilidade de
ela estar certa deixou de ser importante há muito tempo. É só uma coisa em que
ela quer acreditar, e o fato de ela precisar disso só não me incomoda mais do
que saber que, no momento em que entrei em sua vida, eu a pus em perigo.
Sento-me no sofá e a puxo para mim,
porque quero sentir que posso cuidar dela, que posso protegê-la. Ela se aninha
em meu colo como se seu lugar sempre tivesse sido ali e sinto como se as coisas
pudessem mesmo dar certo, como se nada que fiz ou ainda farei pudesse estragar
o amor dela por mim. A sensação é boa, mas não me iludo. Posso ficar brincando
de “Eric-bonzinho” o quanto quiser, posso permitir a mim mesmo mais um tempo
com ela, mas cedo ou tarde nós dois teremos que encarar a verdade. E antes
disso acontecer, preciso dar um jeito de limpar minha sujeira.
— Você é tão doce, Luz! É tentador
fingir que posso fugir de todas as coisas erradas que me perseguem, mas eu não
quero mentir para você. Ainda tenho... pendências
a resolver.
— É por causa dela?
Esther. Houve um tempo em que achei
que poderia me acostumar com quem somos, que poderia vir a gostar disso tanto
quanto ela. Estar entre as pernas de uma mulher assim pode fazer um homem se
convencer de muitas bobagens. Mas ilusões não são eternas, e as minhas com
relação a Esther acabaram logo. Muito cedo para ela. Tarde demais para mim.
— Não do jeito que você está
pensando, mas, sim, ela faz parte do problema.
— Me conte qual é o problema.
— Eu vou. Quando não precisar mais
te envolver nas sujeiras de minha vida. —Quando
Esther estiver longe de nós. — Eu não sou o cara ideal pra você, Luz. Não
posso impedir as trevas de nos espreitarem, mas posso cuidar para que elas não
maculem você.
— Não sou um cristal, Eric. Não vou
me quebrar. Posso ajudar você a lidar com seus problemas, sejam eles quais
forem.
Ela não sabe o quanto isso é
verdadeiro. O quanto não há nenhuma coincidência no fato de estarmos aqui
juntos. Mas quando tudo isso acabar, quero poder dizer a ela que esse não foi o
motivo. Quero que ela saiba que a amo mais do que preciso dela.
— Eu sei que você pode. Mas esta
noite eu percebi que não quero. Você me deu uma escolha. Não acho que faça
ideia do que isso significa para mim, mas eu escolho você. Escolho que isso que
está acontecendo entre nós seja mais importante do que o resto. E escolho,
acima de tudo, manter você a salvo.
Deixo minha mão traçar o contorno de
seu corpo. O rosto que nunca vou esquecer, o contorno do seio firme e tentador,
a cintura delicada, o quadril cheio e a coxa deliciosa que repousa sobre minhas
pernas. Ela é linda e me faz acreditar que existem coisas boas no mundo. Sua
expressão preocupada e amorosa não muda e ela não impõe nenhuma resistência à
mão que explora seus contornos. Porque confia em mim.
Sei que não mereço isso, mas já não
me importo. Talvez um dia eu possa ser alguém que valha a pena, mas até lá
posso estar perto dela e acreditar no reflexo de mim mesmo que vejo em seus
olhos.
— Vou encontrar uma saída para mim.
Só preciso de um tempo.
— Você está me assustando, Eric.
Tenho medo de que alguma coisa aconteça com você.
— Medo?
— É que eu... desculpe, mas ouvi
parte da sua conversa... Não era minha intenção, mas eu estava vindo falar com
você e vi a porta aberta... O que me pareceu é que você deve alguma coisa a
alguém muito perigoso.
Eis uma interpretação interessante
dos fatos! Quando se ouve cascos, é mais natural pensar em cavalos do que em
zebras. Exceto que a Navalha de Occam[2]
nunca funcionou para mim. Mas, bem, posso deixá-la pensar assim por enquanto.
—
É mais ou menos isso. Mas você não tem que ter medo. Nada vai acontecer comigo.
— Não me pareceu que Esther
estivesse brincando. Parecia que ela estava te dando uma espécie de ultimato.
— E estava, mas ela não tem
interesse em me fazer mal.
— Porque ela gosta de você.
Não é uma pergunta, e ela tem uma
expressão meio-engraçada, meio-enfurecida no rosto quando diz isso. Mesmo
depois de tudo, ela ainda está magoada com o que viu, o que, embora não faça
sentido para mim, faz todo sentido para ela. É claro que eu deveria saber que o
joguinho de Esther produziria efeitos duradouros em Clara, mas a ideia de que
aquela víbora tenha sentimentos e que eles importem minimamente para mim é tão
ridícula que não consigo conter um riso amargo.
— Isso não faz diferença — respondo
sem rodeios, mas, aparentemente, não é o que Clara queria ouvir.
— O que as pessoas sentem por você
não faz diferença?
— O que Esther sente não faz diferença para mim. Já o que você sente me importa muito.
— Mas ela foi sua namorada. Deve
significar alguma coisa.
Ah,
meu anjo! O mundo é um lugar bonito para você, não é?
— “Namorada” é um palavra que
implica em um relacionamento que não tivemos. Você vai ter que se acostumar com
a ideia de que outras mulheres passaram pela minha vida e que não me importei
com elas da forma como me importo com você. Para mim, elas foram embora do
mesmo jeito que chegaram.
Ela pensa por um momento, parecendo
chocada com a visão prática e pouco romantizada que estou lhe oferecendo da
minha vida. Depois sorri timidamente.
— Acho que, de uma forma meio torta,
esse foi um imenso elogio.
Não respondo. Sei que ela não gosta
de pensar em mim como a pessoa fria que posso ser, mas não vou fingir em seu
benefício. Posso não lhe contar meus segredos, mas não pretendo mentir para ela
em relação à sua própria importância. Nem em relação à importância dos outros.
— As pessoas não são como você, Luz.
Sentimentos são coisas desnecessárias em boa parte das relações. Esther não se
importa comigo, ela não gosta de mim.
Não de verdade. Ela apenas me quer, o que é muito diferente.
— Não sei se isso me deixa mais
tranquila. Na verdade, eu preferia que você me dissesse que ela é completamente
apaixonada por você. Porque querer... é algo meio complicado. Ela me parece o
tipo de pessoa que pega o que quer, não importa o que aconteça. Ela me dá medo.
De repente, ao ouvir o temor na voz
e nas palavras de Clara, me dou conta de que preciso me livrar o mais rápido
possível de Esther. Não estou disposto a dar o que ela quer de mim, mas posso
encontrar alguém que o faça. E, nesse meio tempo, preciso manter a maldita
satisfeita e longe daqui.
— Posso sair dessa, só preciso de um
tempo, ok? Você me pediu para esperar por você, estou te pedindo a mesma coisa
agora. Só me prometa que vai ficar longe de Esther. Você promete? — Clara
assente sem dizer nada. Ela parece frágil, mas sei que sabe se defender, sei
que percebeu que aquela maluca é o tipo de gente por causa de quem se tranca as
portas. — Se ela vier aqui, se te procurar, use seus instintos e se afaste. Eu
não vou deixar mais ela se aproximar de você, mas você também precisa ficar
atenta.
— Você disse que ela não faria mal a
você...
— Eu disse que ela não tem interesse
em me prejudicar. Por isso você está segura, mas não estou disposto a arriscar.
— Não gosto disso. Não gosto que ela
saiba coisas sobre você que eu não sei. E não gosto que ela esteja por perto
quando você me diz para ficar longe. Me parece injusto que eu não saiba com o
que estou lidando.
É
injusto. E perigoso. E a maldita culpa é minha. Mas Esther pensa que estou
usando Clara, que ela, como eu, não passa de meios para um fim. Ela está se
divertindo com isso e tem certeza de que, no fim, vou acabar me cansando da
brincadeira e vou fazer exatamente o que ela quer. E é nisso que vou fazê-la
acreditar a partir de agora. Não é uma solução definitiva, mas é como vou
ganhar tempo até encontrar alguém que ocupe meu lugar em sua maldita obsessão.
— É por pouco tempo, Luz. Prometo.
Você vai saber da verdade. — Por mais que eu tenha a perder com isso, é o que
lhe devo. — E você não vai precisar se preocupar com ela nem com ninguém.
— Ainda acho que ela está em
vantagem...
— Não tenha tanta certeza disso. A
verdade sobre o passado pode ser superestimada às vezes. E você vai saber, de
qualquer jeito. Mas ela não tem o que você tem.
— Você? — ela pergunta, com uma
expressão manhosa que eu adoro.
— Por quanto tempo quiser.
— Eu sempre vou querer você.
— Vamos pensar apenas no agora. — Por favor.
— Pensando apenas no agora — ela
diz, com o ombro encolhido e uma expressão de quem se desculpa. — Acho que
devíamos voltar para o bar. Já faz tempo que paramos de trabalhar e já é a
segunda vez que fazemos isso em pouco tempo. O pessoal vai ficar chateado.
— Esqueceu que você está namorando o
patrão, baby? — retruco em tom de brincadeira. Como se eu não soubesse que isso
a faz se sentir ainda mais culpada. Ela fica vermelha e não diz nada por algum
tempo.
— Mesmo assim, ainda tem gente no
bar e falta... — Ela dá uma espiada discreta em seu relógio de pulso e seus olhos
se arregalam ao constatar que estamos aqui a mais tempo do que ela imaginou. —
Falta só meia hora para o bar fechar.
Minha vontade é de não largá-la,
passar a noite toda ao lado dela, mesmo que seja apenas para abraçá-la e aproveitar
cada momento enquanto posso. Por outro lado, a mera possibilidade disso já faz
meu sangue ferver quando não devia. Provavelmente não é uma boa ideia pôr minha
resolução à prova como se meus impulsos fossem algo a ser ignorado. Além disso,
tenho uma mentira para contar. Ainda esta noite, vou procurar Esther com a
resposta que ela quer ouvir.
Clara começa a se levantar quando
não respondo ao seu convite de voltar ao trabalho, mas eu a puxo de volta. Só
quero mais um minuto longe do resto do mundo. Apenas um minuto ao lado dela.
Como
se pressentisse minha necessidade, ela me beija, abraçando-me com força. Não
sei por quanto tempo nossa paz pode durar e, certamente, ela também se pergunta
isso, mas, apenas por um momento, nossas dúvidas se perdem em nossos lábios.
É um sentimento estranho estar perdido e ao
mesmo tempo tão certo de onde é meu lugar. Talvez eu perca tudo, mas não quero
pensar no depois quando o agora é tão mais interessante. Mesmo que o inferno
nunca esteja longe, Clara me faz sentir acima do céu. E, ao menos por esta
noite, isso deve bastar.
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