sábado, 26 de dezembro de 2015

ELS - Bônus 35 - Eric

Capítulo 35 – Eric
“Caos”

Ooh I'm a mess right now
Inside out
Searching for a sweet surrender
But this is not the end

I can't work it out, how?
Going through the motions
Going through us

And though I've known it for the longest time
And all of my hopes
All of my words are all over written on the signs
But you're my road walking me home
Home, home

See the flames inside my eyes
It burns so bright I wanna feel your love
Easy baby maybe I'm a liar
But for tonight I wanna fall in love

(I’m a Mess – Ed Sheeran)

           
Não posso fazer isso...

            Bato com a lateral do punho em minha têmpora para afastar o barulho. Insuportável. Não consigo pensar.
            Achei que estivesse acostumado com a dor. Achei que pudesse controlá-la e suportá-la até o fim dos tempos se fosse preciso. Para ficar ao lado dela. Eu faria o que fosse preciso, isso ou qualquer outra coisa.
            Acontece que não posso. Não posso fazer o que é preciso. Não posso suportar as consequências de chegar a ela pelo caminho errado, de não merecer o que ela pode me dar, agora eu sei.
Mas também não posso suportar as malditas vozes em meu coração. A dor que clama por alívio. O impasse me sufoca.
Não posso fazer isso...
            Achei que não me importaria com ninguém se pudesse ter paz. Se pudesse ter o que queria. Não me pareceu muito. Clara apenas. Por quanto tempo ela quisesse ficar. A força dela me ajudando a controlar minha fraqueza até que pudesse encontrar uma maneira de fazer isso sozinho. Achei que o egoísmo era meu amigo e que eu não teria escrúpulos de afastar quem me atrapalhasse. Esther ou qualquer um que eu pudesse jogar na cova dos leões que ela representa.
Mas quando aquela maldita trouxe o garoto para a jogada, quando o atraiu como um cordeiro, afetando Clara como se estivesse lhe dando um soco, percebi que qualquer coisa que a machuque fere a mim com mais força. Não consigo lidar com sua dor, não consigo suportar o medo que ela sente quando qualquer coisa ameaça quem ela ama.
E ela o ama.
Mais do que nunca, isso ficou claro para mim ontem à noite.
Não acho que ela minta quando diz que não há nada entre eles. A cena ridícula que o moleque armou no bar me confirmaria isso se eu achasse que Clara seria capaz de mentir. Mas estou certo de que ela não está pronta para excluí-lo de sua vida. Então ele vai continuar tentando.
Quero matá-lo por isso.
Sei que ela também me ama. De alguma forma que não entendo e que já é muito mais do que eu mereço. Sei que me quer tanto quanto eu a quero e que não estou sozinho quando estamos juntos. Parece algo tolo de se dizer, mas não é.
Minha maldição é também meu maior talento. Eu entendo as pessoas. Sei como funcionam. E a minha vida toda estive acostumado a ver almas sozinhas em corpos acompanhados. Com a maioria das pessoas é assim. Sempre foi assim comigo.
Sexo, contato físico. Tudo que antecede a isso. Todos os fingimentos a que nos dedicamos antes de afundar nossa própria solidão no corpo de outro alguém, antes de conseguir aquele segundo de ilusão em que os instintos sufocam qualquer dor... Tudo não passa de um mero ritual. Um investimento penoso pelo valor do espasmo passageiro que simula uma conexão.
Mas não seria assim com ela. Quando estamos juntos, estamos verdadeiramente ali. E não importa o quanto meu corpo anseie pelo dela, não há desespero nessa fome. Só paz. O silêncio precioso que só é interrompido pela voz dela. E pelo toque de que necessito em um nível que ainda não sou capaz de compreender, mas que nunca me machuca.
Desde a primeira vez, sempre que toco a pele dela pareço ter encontrado as respostas para todas as perguntas que me acostumei a ignorar. Como se tudo pudesse ficar bem e a luz que emana dela fosse capaz de desfazer todas as sombras.
Mas então tem a droga do garoto puro e claro como ela, feito à sua semelhança como se fosse especialmente moldado para ficar ao seu lado. E tudo em que consigo pensar é em quebrar todos os ossos do corpo dele com um martelo. Tomar-lhe a voz. O jeito. Transformar seu rosto pacífico em algo disforme. Estragar tudo o que ela ama a respeito dele, mesmo sabendo que eu jamais conseguiria fazê-lo.
Sim, eu posso odiá-lo. Posso invejar o que quer que Clara sinta por ele e fantasiar com todas as formas como gostaria de fazer-lhe mal, mas não posso realmente fazer isso. Porque ela o ama. Principalmente porque ela o ama.
Fecho meus olhos com força, mas o gesto só piora as coisas. Quando isolo o resto do mundo, tudo o que sobra é o caos dentro de mim. Todas as imagens e emoções que só posso sentir, mas não posso controlar. Tudo que não é nem nunca foi escolha minha.
Eu vinha conseguindo lidar com isso. Clara abriu um caminho esquecido dentro de mim. Por causa dela, minhas próprias emoções falam mais alto. Mas hoje isso não significa nada. Hoje elas são apenas o tom mais dissonante entre todos os gritos que preciso calar e não consigo.
Preciso vê-la.
Olho para a parede à minha frente, catalogando as manchas, tentando visualizar desenhos, desesperado por alguma harmonia. Tento encontrar padrões na tinta, organizá-los em figuras discerníveis que minha mente possa catalogar. Já fiz isso, uma e outra vez. E depois mais outra. Mas não está mais ajudando. Remexo em meus bolsos e tudo o que encontro é minha carteira, minhas chaves e o celular. Olho para a tela outra vez, esperando notícias. Sei que ela saiu do hotel em que passou boa parte da tarde, mas ainda não sei para onde foi depois disso. Espero que esteja vindo para casa.
O chão do corredor em frente à porta dela há muito se tornou extremamente desconfortável, mas não é por isso que me movo, tentando acertar um pouco minha postura. Pensar em como ela vai reagir quando me encontrar é o que me deixa tenso.
Eu não devia estar aqui.  Sei disso. Assim como não devia ter feito a maior parte das coisas que fiz. Preciso respeitar o espaço dela, mas não consegui frear minhas ações. O segurança que contratei para protegê-la à distância me garantiu que ela está bem, mas eu preciso ver com meus próprios olhos.
Assim como preciso ouvir dela quem é Alberto Sampaio ou o que ele tem a ver com o atropelamento do tal Teo, Caio ou como diabos se chama o rival que menosprezei até ser tarde demais. Tenho que senti-la e entender o que quer de mim agora que parece estar em dúvida entre ele e eu, e encontrar meios de adiar sua resolução e mostrar que estou disposto a lutar por ela.
Como se eu tivesse escolha a não ser respeitar sua decisão. Como se tivesse alguma alternativa que não fosse lutar com tudo o que tenho por aquilo que não consigo perder. De qualquer forma, não consigo estar em outro lugar que não seja aqui. A menos que queira enlouquecer de vez. Se é que já não enlouqueci. O quanto de lucidez seria preciso para discernir?
O barulho se torna mais intenso. Desde ontem, as vozes se tornaram mais ativas e frenéticas. Acima de tudo, mais difíceis de controlar. Minha cabeça dói e o caos ameaça me afogar.
Respiro e me concentro, silenciando tudo enquanto consigo, procurando por ordem em qualquer lugar em que possa encontrar enquanto dou comandos ao meu cérebro para que se foque. Preciso me agarrar a qualquer coisa, mas os padrões irregulares da tinta já meio gasta não servem mais, sinto a necessidade de algo mais palpável. Então começo a pensar em coisas estúpidas, saídas de emergência como tirar todas as chaves da argola que as prende juntas e separá-las por tamanho ou qualquer outro critério.
Estou ocupado com isso quando a chave do prédio dela me chama a atenção. Mais um prova de que tenho muito a aprender no que se refere a refrear meus impulsos. Eu quis ter livre acesso ao prédio e providenciei isso. Assim como dei um jeito de conseguir o bar quando percebi que precisava estar perto de Clara. Por sorte, Samuel tinha tornado tudo simples com sua imprudência, mas eu teria conseguido fazer parte da vida dela por outros meios se fosse necessário. Porque simplesmente não estou acostumado a medir esforços quando encontro algo que desejo. Eu reivindico as coisas, tomo o meu direito de desfrutá-las sem me importar com mais nada.
Sempre tive orgulho disso. Sempre achei que era algo que me fazia forte.
E agora me parece completamente inadequado e vergonhoso. Como de fato é. Forçar minha entrada em sua vida é algo que eu teria feito de qualquer maneira — não consigo imaginar um mundo em que eu soubesse de sua existência e não a quisesse de alguma forma entrelaçada à minha —, mas agora consigo enxergar o que isso faz de mim. E a consciência pode ser uma vadia sádica.
Talvez seja por isso, para punir a mim mesmo, que tenho me obrigado a resistir ao desejo vertiginoso e irracional que sinto por ela. Fisicamente falando, quase dói. Mas emocionalmente é ainda mais difícil de suportar. Não consigo deixar de imaginar como seria. O laço. A conexão. A verdade inédita do que eu sentiria. O quão incrivelmente impossível seria suportar se eu tivesse que me afastar depois.
Não posso fazer isso...
Me afastar. Me entregar. Querer que ela se entregue. Passar a vida sentindo-me ridiculamente vulnerável desta maneira.
O celular vibra com a mensagem de que ela está chegando.
Estou esgotado antes mesmo de começar, mas não posso fugir agora. Penso em me levantar, descer e fingir que cheguei neste mesmo instante, mas isso acaba me parecendo ainda mais ridículo do que a verdade. Então fico onde estou, aberto como jamais estive à sua percepção de quem eu sou, e espero.
Os minutos que me separam dela são engolidos por minha ansiedade e então ela surge do elevador a alguns metros de mim. As vozes se silenciam imediatamente quando ela me lança o primeiro olhar, mas em seu lugar sou tomado pelos sentimentos dela. O amor inconfundível, a preocupação que tenta abafar, as dúvidas que a devoram... Ela está tão cansada que mal tem ânimo para se mexer. E como o cretino egoísta que sou, estou aqui para forçá-la a ainda mais um round.
— Oi — ela diz. Sua expressão é neutra, mas sei que há muitas coisas por trás daqueles olhos. Ela tenta disfarçar a postura defensiva, mas está indubitavelmente lá. — Como você entrou aqui? Como você sempre entra?
Abro a mão diante dela, revelando a chave que tirei da sequência estendida no chão diante de mim quando ouvi o som do elevador chegando. Ela arregala os olhos por um segundo e depois lança um olhar para as outras no chão e suspira. Penso em desmanchar aquela idiotice, mas tudo em que consigo pensar no instante seguinte é em reposicionar as chaves que ficaram, de modo que volte a haver um dedo de distância entre elas. Exatamente. E é o que faço quando Clara não se move nem diz nada.
Ouço quando ela suspira de novo e se aproxima depois de um tempo, parecendo vencida por alguma coisa mais forte que nós dois. Recuo instintivamente quando ela se senta ao meu lado. É um reflexo estúpido que tento disfarçar, fingindo que estava apenas corrigindo minha postura para poder encará-la de frente, mas sei que não fui rápido o suficiente.
— O que significa isso? — ela pergunta.
— Eu... Paguei um vizinho seu pela chave. Foi no dia em que te deixei o presente.
Tenho um pensamento idiota sobre como ela devia tomar cuidado com vizinhos sem escrúpulos que vendem a pouca segurança de que o prédio dispõe a qualquer um com lábia e dinheiro, mas então percebo a ironia. Ela devia é ser realmente cuidadosa com as pessoas que mentem para ela e ainda assim entram pela porta da frente.
— Desculpe — peço, porque não há forma de justificar o que fiz, então nem tento. Apenas seguro a mão dela e deposito a chave ali, fechando seus dedos em torno daquele objeto que parece tão enganadoramente inofensivo quando a pessoa que o segura.
Ao tocá-la, tudo está ali novamente: a paz que ela me traz, o desejo e as emoções passionais que desperta, tudo que eu amo. Beijo a mão dela e a continuo segurando, incapaz de soltá-la. Ela fecha os olhos por um momento, e com a outra mão toca meus cabelos, os dedos percorrendo minha nuca numa carícia suave e arrepiante.
— Se você queria uma chave, deveria ter permitido que eu a desse a você. Poderia ter pedido — ela sussurra, me surpreendendo, me desarmando.
Clara nunca foi nem nunca será inofensiva.
— Essa é você ficando brava comigo?
— Não, esta sou eu cansada demais para fingir que não te perdoo. E muito aliviada de que você esteja deste lado da porta.
— Eu juro que não faria isso. Juro que não entraria na sua casa.
Saberia como, mas não faria. A menos que achasse que ela estava em perigo... A menos que fosse necessário para o bem dela.
— Desculpe — peço de novo.
Clara apoia a cabeça na parede e me concede um sorriso de canto, estendendo a chave de volta para mim.
— Espere até que eu queira te dar a chave do apartamento, ok? Talvez depois que eu souber mais sobre você do que apenas seu sobrenome.
Quando ela diz isso, toda e qualquer resistência que eu estivesse tentando manter rui em pedaços. Ela não está me dando apenas seu perdão, está me dando uma chance. Está me dizendo que se eu não estragar tudo as coisas vão ficar bem. De repente, não consigo mais me conter e procuro seus lábios com os meus, apertando-a com força entre meus braços. As mãos dela percorrem minhas costas, meu peito, agarram meus cabelos, e um gemido fraco escapa por entre sua respiração acelerada.
— Minha Luz — sussurro para ela. — Minha Clara. Você é minha.
Ela olha para mim de um jeito diferente quando digo isso. Vulnerável ao meu desejo, mas também de posse de seu próprio. O beijo furioso parte dela desta vez, fazendo com que eu perca um pouco mais do meu controle já tão comprometido. Os lábios macios e a língua quente brincam na pele de meu pescoço, experimentando, e meus dedos ousam um pouco mais, apertando seu seio sobre a roupa, levantando-o enquanto minha língua prova a pele revelada pelo decote discreto. Ela geme baixinho, mas me afasta em seguida.
— Estamos no chão do corredor — murmura, e começa a rir em seguida, divertindo-se com a situação.
— Daríamos um belo espetáculo para os vizinhos de andar — comento para fazê-la corar, deixando minha mente esfriar um pouco enquanto também me divirto com o constrangimento dela. — Mas prefiro que a visão seja só minha.
Ela solta outra risada e desvia o olhar, sem graça.
— Não conheço você, Eric. Nem você me conhece bem. Sabemos tão pouco um do outro...
Sei o que ela quer dizer com isso. Está me lembrando da conversa que tivemos naquela primeira noite em que nos acertamos, sobre irmos devagar e darmos tempo um ao outro.
— Pergunte — digo sem pensar.
Ela pisca surpresa, como se não acreditasse no que ouviu. Em seguida sua expressão se ilumina e o desejo insano de antes é substituído por ternura e algo mais que não identifico. Talvez um reflexo de minha própria confusão, de meu próprio medo.
Não sei até onde estou disposto a ir. Certamente não estou preparado para que ela saiba de tudo, para correr o risco de perdê-la definitivamente, mas quero encontrar um caminho até ela que não seja pavimentado por mentiras. Quero alcançá-la. E não posso esperar que seja pelo caminho mais fácil. Trocar o passado por um presente confortável não me comprará um futuro.

E eu posso até estar louco, mas consigo sonhar com um.

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