Sempre achei que
a essência de uma boa história está na maneira de contá-la. Mais do que um bom
enredo, portanto, é preciso um bom narrador, alguém que nos faça apaixonar e
envolver pelo que virá, que nos puxe para dentro de forma que não queiramos
sair mais daquele mundo que passa a ser nosso também.
Como leitores, não há muito o que
fazer a não ser confiar na escolha do autor e, para falar a verdade, não é uma
coisa na qual se gaste muita análise, a gente aceita e pronto. Se funcionar,
não nos perguntamos por quê. Se não funcionar, certamente não culparemos a
escolha de foco narrativo também. A não ser que você seja alguém pentelho
como eu.
Só que quando você está do outro
lado da viagem, ou seja, escrevendo, e cabe a você achar o jeito certo de puxar
o leitor para dentro, a escolha do tipo de narrador não é uma coisa que possa
ser feita de qualquer jeito. Não se você quiser realmente fazer uma coisa bem
feita. E como eu acho que todo mundo que lê estas nossas colunas quer fazer
algo legal, vale a pena falar das duas maneiras de se contar uma história para
que você pense direitinho em qual se adéqua mais ao seu estilo e aos seus
planos.
A primeira maneira é o quando a
história é narrada por alguém que está dentro dela, ou seja, um
narrador-personagem. Chamamos isso de foco narrativo em primeira pessoa, e vemos
tudo a partir do ponto de vista de quem narra, que é geralmente o protagonista
em cujos sentimentos podemos mergulhar sem restrições.
Já outras histórias são contadas por
alguém que só observa, sem nunca interagir com os personagens. Geralmente esse
tipo de narrador é onisciente, ou seja, é alguém que sabe de tudo: passado,
presente, futuro e o que se passa dentro da cabeça de cada um. Nesse caso,
temos um foco narrativo em terceira pessoa.
Parece simples, mas há coisas a se
considerar no jogo da conquista da escrita. Geralmente o que funciona bem para
você como leitor, vai funcionar também como autor, porque a gente tende a ter mais
facilidade em reproduzir um estilo que gostamos. Então, analisemos, quando você
se encanta por um livro, o que é, precisamente, que desperta seu amor?
Personagens apaixonantes cujas
emoções intensas você passa a compartilhar; ou você é mais do tipo que curte uma
história vibrante com um enredo ágil e muitas reviravoltas? Prefere ter uma
visão geral das coisas ou mergulhar nas particularidades de um só ponto de
vista? O que faz mais a sua cabeça?
Para mim, sempre foram os
personagens. Quem lê minhas histórias sabe que nada acontece nelas sem que
antes e durante e depois meus pobres narradores tenham revolvido suas
entranhas em divagações, analisando a repercussão e os motivos de cada
acontecimento.
Falando assim parece uma chatice,
mas sorte minha que meus personagens também não se poupam de autoironia e
sarcasmo, então acaba ficando ao mesmo tempo reflexivo e engraçado. De uma
forma maluca, funciona. Ou pelo menos é o que dizem meus leitores. (Se eu
estiver me iludindo, minta para mim, ok? Ok.)
Acho que, como eu, eles não
conseguem ignorar o apelo da empatia. Conseguir se colocar no lugar de um
personagem é o que faz com que nos apaixonemos por ele e por sua história, o
que é mais facilmente alcançável com um narrador-personagem. Por isso o foco
narrativo em primeira pessoa tem sido a escolha mais comum dos livros atuais,
além de também ser o mais popular no mundo das fics.
Entretanto, esse foco tem suas
limitações, porque, muitas vezes, ficar preso aos olhos de um único personagem
pode comprometer a agilidade da história. Há situações em que é importante mostrar
todos os sentimentos envolvidos em uma conversa, sem a parcialidade de alguém
que está participando dela, por exemplo. Ou, quem sabe, o enredo apresente a
necessidade de alternar cenas, para que possamos acompanhar o que se passa com
cada personagem mais ou menos simultaneamente.
Isso sem contar que ficar restrito
aos pensamentos provenientes de um único ponto de vista pode entediar quem não
tem muita paciência para divagações. Em todos esses casos, a imparcialidade e a
flexibilidade proporcionadas por um narrador em terceira pessoa, aquele que é
apenas um observador onisciente, acabam sendo preferíveis.
Por isso é importante planejar bem
sua história e ver o que é mais adequado para ela. Muita gente, inclusive eu,
usa a primeira pessoa, mas alterna quem é o narrador, o que é um recurso do qual
você pode abusar nas fics e consiste em usar o melhor de dois mundos, ou seja,
a flexibilidade do foco em terceira e o toque pessoal da primeira. Só que,
apesar de toda a facilidade, ou talvez por isso mesmo, é algo mais reservado ao
mundo dos escritores amadores. Fora algumas exceções (por exemplo, quando Jacob
Black assume a narração em Amanhecer), não é algo que se vê muito fora desse
contexto informal.
Há ainda uns raros autores que
alternam primeira e terceira pessoa no mesmo livro. Nos romances policiais de
Lisa Gardner, por exemplo, a protagonista D.D. Warren, detetive durona e pouco
afeita à análise de sentimentos, aparece em terceira pessoa. Já sua
co-protagonista, uma suspeita e/ou vítima sobre a qual sempre é interessante
sabermos um pouco mais, aparece em primeira.
Vale tudo, na verdade.
Principalmente para autores
consagrados que podem se dar ao luxo de fazer o que quiserem, ou para amadores
iniciantes que ainda estão experimentando um pouco de cada coisa. Qualquer
lugar no meio desse espectro pode requerer um pouco mais de cuidado, mas como
eu acho que ninguém aqui é meio-famoso, podemos trabalhar com a premissa do
vale-tudo-em-fic. Isso, no entanto, não te dispensa de saber manejar bem as
duas possibilidades de foco narrativo, porque, de um jeito ou de outro, você
sempre estará trabalhando com uma delas. E saber escolher qual, pode fazer toda
a diferença.
Às vezes essa escolha vem naturalmente.
Aliás, não me lembro de ter conhecido alguém que ficasse num dilema sobre isso.
O problema é que muitas vezes ela vem errada. E antes que você se descubra no
meio de sua história tendo feito uma opção equivocada, chega mais e vamos
analisar, nas próximas colunas, as possibilidades e limitações dos dois focos
narrativos.
Primeira pessoa: o mergulho e o amor
Terceira pessoa: o poder da onisciência
Primeira pessoa: o mergulho e o amor
Terceira pessoa: o poder da onisciência
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